De censura à obstrução

Caso em Paraisópolis: equipe de Tarcísio pode ter cometido ao menos cinco crimes

Advogados apontam indícios de possíveis delitos de obstrução de justiça, coação, violação à legislação eleitoral, entre outros, na conduta de membro da campanha de Tarcísio de Freitas, que ordenou que fossem apagadas imagens do tiroteiro na comunidade

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Tarcísio e equipe em abrigo na comunidade após tiroteio: advogado Ariel de Castro Alves também oficiou a Ouvidoria da Polícia para instaurar um procedimento de apuração

São Paulo – A equipe do candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) pode ter cometido até cinco crimes ao ordenar a um cinegrafista da Jovem Pan a apagar imagens do tiroteio que, em 17 de outubro, interrompeu uma agenda do candidato na comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista. De acordo com advogados especializados em direito penal, a motivação para a ordem levanta indícios de possíveis delitos de obstrução à Justiça, favorecimento pessoal, supressão de documento, fraude processual e coação no curso do processo. Os especialistas ainda citam violações à legislação eleitoral. 

As informação são do jornal Folha de S. Paulo que revelou o áudio gravado logo após o tiroteio. A gravação mostra o profissional da emissora, que pediu para não ser identificado, sendo abordado por um integrante da equipe de Tarcísio. Na ocasião, o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) estava na sede de um projeto social de Paraisópolis. 

O cinegrafista e outros profissionais de imprensa foram levados para um carro de apoio da campanha. Ao chegar ao local, o profissional foi questionado sobre o que havia sido filmado. Em seguida, ele recebeu a ordem para que apagasse as imagens. “Você filmou os policiais atirando?”, questiona o cabo eleitoral de Tarcísio. O profissional, então responde. “Não, trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM pra cima dos caras”, diz ele. Após uma segunda pergunta, se o funcionário da emissora havia feito imagens das pessoas que estavam no local onde o evento com Tarcísio foi realizado, o cabo eleitoral dá a ordem. “Você tem que apagar”. 

Indícios de crimes

Para a advogada criminalista e presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subsecção Pinheiros, Ana Carolina Moreira Santos, a conduta da equipe de Tarcísio pode configurar ato de obstrução à Justiça. “O caso merece uma investigação mais profunda, sobretudo quanto à motivação do pedido ou ordem para apagar o vídeo, bem como sobre as circunstâncias do fato original, mas é possível constatar contornos do crime de favorecimento pessoal ou de embaraço à investigação de infração penal”, destacou ao jornal. 

A pena prevista para o crime de obstrução à Justiça é de reclusão de três a oito anos, e multa. Já o delito de favorecimento pessoal tem como punição detenção, de um a seis meses, e multa. A advogada ainda vê indícios de crime de supressão de documento e repercussão na área eleitoral. “A iniciativa pode configurar crime eleitoral, na medida em que a filmagem, além de utilizada para fins de campanha político partidária, trata de fato juridicamente relevante, não só pela exploração do fato como um pretenso atentado, como pelo resultado da ação, com a morte de uma pessoa no local.”

A ocorrência terminou com um homem morto, Felipe Silva de Lima, de 27 anos. E tanto Tarcísio como o próprio Bolsonaro se utilizaram do episódio em seus horários eleitorais. “O candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e sua equipe foram atacados por criminosos em Paraisópolis”, afirmava o locutor das peças de TV e rádio que foram ao ar no mesmo dia do tiroteio. Mais tarde, o candidato a governador de São Paulo postou que o episódio não teria motivação política, mas que se tratava de disputa territorial.

Investigação do caso

Em entrevista ao site Brasil de Fato, o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) também destacou a necessidade de se apurar se de fato houve um confronto entre policiais militares e criminosos. Ainda nesta terça (25), após a divulgação do áudio, uma das motivações para ordem levantadas foi a tentativa de apagar a prova de um crime de homicídio cometido por um policial à paisana que fazia a segurança de Tarcísio. 

“Essas imagens certamente serviriam de provas para verificar o que de fato aconteceu. Portanto, em hipótese nenhuma essas imagens, sob qualquer argumento, poderiam ser intencionalmente destruídas. Se configura ou não um crime destruir essas imagens, só uma investigação pode dizer. Porque é preciso que se entenda se isso foi de fato destruído, qual a intenção em se apagar essas imagens”, explicou Botelho. 

O advogado observa, contudo, que todo esse episódio mostra uma tendência do candidato bolsonarista a evitar a transparência quando o assunto é segurança pública. O especialista traça um paralelo com uma das promessas da campanha de Tarcísio, de acabar com as câmeras acopladas aos uniformes de PMs. A medida vem reduzindo a letalidade policial e diminuindo inclusive as taxas de mortes de militares em serviço. Mas o candidato a governador quer mesmo assim “reavaliar” o programa. 

Tarcísio e a falta de transparência

“A câmera nos uniformes tem um aspecto de proteção do próprio policial muito importante, tanto que é aprovada pela imensa maioria dos policiais de São Paulo. Elas já foram inclusive utilizadas em investigações contra policiais para defendê-los. A analogia que faço entre esses dois episódios é que a forma de pensar segurança pública do candidato não é uma forma que prioriza transparência. A transparência deveria sempre nortear qualquer ator político”, defendeu. 

Ontem, a Polícia Civil de São Paulo informou que pedirá a íntegra dos vídeos do tiroteio em Paraisópolis feitos pelo cinegrafista da Jovem Pan. Em paralelo, o advogado Ariel de Castro Alves, presidente do grupo Tortura Nunca Mais, também oficiou a Ouvidoria da Polícia para instaurar um procedimento de apuração e acompanhamento dos fatos. 

De acordo com o advogado, “são fortes os indícios de que houve uma execução” e “não um confronto, ou qualquer tipo de resistência seguida de morte”. “Um assassinato de um morador da comunidade, que pode ter tido o objetivo de gerar um fato político eleitoral, numa comunidade já marcada pela Chacina de Paraisópolis, na qual nove jovens morreram num ação da PM em 2019.”, lembrou Ariel. Ele ainda completa que “existem outras informações conflitantes divulgadas por membros da polícia”. E cobra transparência das imagens gravadas pelas câmeras usadas no fardamento dos policiais na ocorrência. “Nenhuma comprovação disse veio a público até agora”, contesta. 

Candidato fala em sensacionalismo 

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também divulgou nota apontando a ordem da equipe de Tarcísio para apagar as imagens como “claramente uma tentativa de censura e um atentado à liberdade de imprensa”. “Não há base legal para a ação dos membros da campanha do candidato”, ressaltou. 

O candidato bolsonarista vem acusando, no entanto, a imprensa de “fazer sensacionalismo” e “dar uma causada”, após a revelação do áudio. O republicano alegou que o integrante de sua campanha “talvez tenha pedido para apagar por cuidado (de preservar a identidade dos seguranças da campanha). É muito ruim revelar a identidade de pessoas que acabam de se envolver com criminosos”, argumentou. 


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