Liberdade de agressão

Bolsonaristas torturam homem que ironizou atos antidemocráticos em Santa Catarina

A vítima, identificada como Rafael, foi atraída a um endereço e ficou em poder do grupo golpista por pelo menos cinco horas. Ele foi forçado a repetir frases de apoio, pisar em boné do MST e ouvir ofensas

Polícia Rodoviária Federal/Divulgação
Polícia Rodoviária Federal/Divulgação
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar os bolsonaristas que obrigaram o homem também a participar dos atos golpistas neste domingo (20). Hipótese é de tortura

São Paulo – Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que participam de atos antidemocráticos em Itapema, no litoral norte de Santa Catarina, estão sendo investigados pelo crime de tortura contra um homem que criticou as manifestações golpistas no estado. O crime ocorreu no domingo (20) contra um trabalhador autônomo, de 41 anos, identificado pelos agressores, em vídeos que circulam pelas redes sociais, como Rafael. 

O homem, que trabalha com fretes, havia gravado um vídeo, no sábado (19), afirmando que estava na frente de “bolsonaristas” onde foi “tomar um café e beber uma água”, ironizando os atos antidemocráticos. A gravação havia sido encaminhada a um grupo de conhecidos do autônomo, mas acabou chegando ao grupo bolsonarista que, segundo sua defesa, resolveu repreendê-lo. O advogado da vítima, Marcelo Saccardo Branco, contou, em entrevista ao portal g1, que no dia seguinte o autônomo recebeu ligação para buscar um sofá em um edifício no bairro Meio Praia. O telefonema, no entanto, era uma armadilha. 

“Chegou ao endereço e já foi cercado pelo grupo”, descreveu a defesa. “Eles tomaram os pertences dele, a chave da kombi, carteira e o agrediram, humilharam. Depois colocaram ele dentro de uma Hilux, estava sem liberdade total, e o levaram até a BR-101, onde ocorriam as manifestações”, acrescentou Branco. 

Imagens mostram tortura

Rafael ficou em poder do grupo por pelo menos cinco horas. As imagens, gravadas pelos próprios agressores, mostram ele descoberto, sendo humilhado e agredido. Ainda no veículo, um dos bolsonaristas faz referência a um Sandrão, a quem diz “está aqui o cara do cafezinho”. Eles também obrigaram o trabalhador autônomo a gravar um vídeo se retratando. 

“Fiz uma brincadeira de muito mau gosto. Estou muito arrependido do que fiz”, repete assustado. Rafael é interrompido pelos agressores que o questionam sobre o que ele está fazendo. Ao responder “uma retratação”, ele é corrigido pelos homens, que acrescentam: “Você está tomando um café com o povo de quem? Dos Bolsonaro, fala, fala que eu quero ouvir”, diz um deles. 

“Para você tomar vergonha na cara”, fala outro bolsonarista. As agressões seguem com o primeiro homem exigindo que a vítima tire de sua cabeça um boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pise em cima. “Ai o que a gente faz com petista é assim”. “Toma o café, toma o café, e agora tu toma água”, seguem. “Você foi vagabundo. Estamos aqui há 19 dias, lutando para gente igual você, seu lixo. Você é um lixo para a humanidade. Estamos há 19 dias sem dormir, comendo mal por causa de gente igual a você, seu bosta, para mim você é um bosta”, gritam os bolsonaristas. 

Vítima é ameaçada 

Um outro momento da gravação mostra ainda o trabalhador sendo obrigado a participar dos atos golpistas e vestir sobre os ombros a bandeira do Brasil, enquanto lastreava outra às margens de uma rodovia. De acordo com a defesa, foram mais de 40 pessoas xingando, vaiando e ameaçando a vítima”. Mesmo após ser liberado pelo grupo, por volta das 20h, a vítima continuou recebendo ameaças de morte para não denunciar as agressões. Ele recebeu diversas ligação e mensagens e teve medo de procurar a polícia para registrar um boletim de ocorrência. 

Rafael, que foi obrigado a dizer que tem dois filhos aos agressores, precisou ainda deixar a cidade por medo das ameaças. O caso acabou chegando à Polícia Civil de Santa Catarina que abriu inquérito na terça (22). A vítima conseguiu prestar depoimento ontem (23). O delegado Marcos Okuma confirmou ao g1 que a principal apuração é quanto à possibilidade de tortura. “E já estamos levantando alguns nomes”, declarou. 

Escalada de violência

O deputado federal e advogado José Guimarães (PT-CE) também cobrou, por meio de suas redes sociais, punição e investigação para os responsáveis pela agressão. “Práticas neonazistas utilizadas por bolsonaristas”, denunciou. 

A própria Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsável por desmobilizar os bloqueios golpistas nas estradas federais, reconheceu nesta semana que a violência nos atos bolsonaristas tem crescido. Além disso, crimes estão sendo flagrados pela corporação. Em Sorriso, no Mato Grosso, um grupo apoiadores do presidente derrotado chegou a impedir uma criança, de 9 anos, de seguir viagem para Cuiabá, onde faria uma cirurgia para não perder a visão. O pai dela, Eder Rodrigues Boa Sorte, chegou a ser ameaçado com facões e foices por cerca de 10 homens quando tentava negociar a passagem. 

O ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), solicitou ontem esclarecimentos da PRF sobre o combate aos bloqueios de rodovias. A ação questiona suposta omissão da PRF ante a ordem de atuar no desbloqueio das rodovias federais.


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