Nunca mais

Carta aos Brasileiros: 45 anos depois, fotógrafo volta às Arcadas. ‘Há que se proteger a democracia’

Movimentos e entidades se reunirão na próxima quinta-feira, na Faculdade de Direito da USP, em defesa do sistema eleitoral e do regime democrático

Fotos Hélio Campos Mello
Fotos Hélio Campos Mello
O professor Goffredo lê a 'Carta aos Brasileiros': documento histórico

São Paulo – Em 1977, o jornalista Hélio Campos Mello trabalhava na jovem revista IstoÉ, criada no ano anterior, sob chefia de Mino Carta, cuja cabeça fora a prêmio e “decepada” da redação da Veja, a pedido do governo. Assim, no dia 8 de agosto Hélio tinha como pauta o lançamento da da Carta aos Brasileiros, documento que o professor Goffredo Telles Jr., da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), leria sob as conhecidas Arcadas do Largo São Francisco, no centro da cidade. O jornalista fez fotografias que se tornaram históricas, como as que ilustram este texto. Agora, 45 anos e três dias depois, se prepara para registrar novas imagens do lançamento de uma segunda edição da Carta, em evento marcado para a próxima quinta-feira (11), no mesmo local.

De lá para cá, com altos e baixos, o país recuperou sua democracia, mas Hélio Campos Mello aponta semelhanças entre os diferentes períodos históricos.

Carta aos brasileiros
Campos Mello: “1977 foi um ano muito importante em termo do processo de recuperação da democracia” (Arte!Brasileiros)

“É tudo muito parecido com o que acontece hoje. Não é ditadura, claro, mas temos um governo de extrema direita, que tem cometido barbaridades, e a sociedade não aguenta mais. Há que se proteger a democracia”, afirma.

A ditadura “piscou”

Ele não lembra de detalhes do evento em si, mas recorda de todo o contexto político daquele 1977, “um ano muito importante em termo do processo de recuperação da democracia”, como diz. “Foi quando a ditadura ‘piscou’.”

O jornalista e fotógrafo enumera episódios daquele ano. Como a disputa interna no governo, quando o ministro do Exército, Silvio Frota, integrante da “linha dura”, tentou derrubar o presidente Ernesto Geisel, por discordar da política de “abertura”, mesmo que a passos bastante lentos. Frota foi exonerado em outubro. Antes, o mês de maio foi marcado por manifestações estudantis, reprimidas pela ditadura – e setembro ainda veria a invasão da PUC, em São Paulo, por soldados comandados pelo secretário de Segurança, coronel Erasmo Dias. “Ele já tinha comandado a repressão aos estudantes que haviam saído das Arcadas”, lembra Hélio. “Tudo o que a sociedade não poderia suportar mais.”

No mesmo ano, houve ainda o chamado “Pacote de Abril”, quando Geisel pôs o Congresso em recesso, impondo reformas no Judiciário e outras medidas de exceção. Em junho, dois deputados do MDB (Alencar Furtado e Marcos Tito) tiveram os mandatos cassados. Mas a sociedade se reorganizava – pela anistia, contra a carestia. Movimentos sociais começavam a se manifestar, caso dos metalúrgicos do ABC. Um líder que despontava na categoria, Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi capa (assinada justamente por Hélio) da IstoÉ em fevereiro de 1978.

Estado de direito

Foi no meio dessa sequência de acontecimentos que o professor Goffredo foi desafiado a elaborar um documento a ser lido como uma espécie de contraponto às celebrações formais pelos 150 anos dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, exatamente em 11 de agosto.

“Eu proclamaria que nenhum País deve esperar por seu de­senvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direi­to. Advertiria que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficam perma­nentemente à espera de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito”, salientou o professor Goffredo, em depoimento sobre as origens do documento. “Nós queríamos, sim, segurança e desenvolvimento . Mas queríamos segu­rança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.”

“Aqui estamos e aqui permaneceremos”

A Carta aos Brasileiros começou a nascer em um almoço que reuniu cinco advoga­dos: Flavio Bierrenbach, José Carlos Dias, Almino Affonso, Maria Eugenia, mulher de Goffredo desde 1967, e ele próprio. Em certo momento, Dias – defensor de presos políticos, integrante da Comissão Justiça e Paz, ex-ministro da Justiça, membro da Comissão Nacional da Verdade e atual presidente da Comissão Arns – anunciou a intenção de elaborar um documento de repúdio ao regime autoritário, contra a violência e o absolutismo. E pediram ao professor Goffredo que se responsabilizasse pelo texto.

“Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direi­tos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”, exclamou Goffredo. Ele morreu em 2009, aos 94 anos. Ontem (8), a nova versão, intitulada Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!, superou 800 mil adesões. Clique aqui para ler na íntegra e assinar o documento.

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