Crimes em série

Procuradores de todo o país cobram de Aras que investigue Bolsonaro

Grupo de 43 procuradores de todos os estados e do DF entra com notícia-crime contra Bolsonaro junto ao procurador-geral da República, Augusto Aras

Marcelo Camargo/ABr
Marcelo Camargo/ABr
Documento aponta que atos de Bolsonaro podem ser tipificados como crimes eleitorais e abuso de poder

São Paulo – Procuradores de todos os estados e do Distrito Federal notificaram nesta terça-feira (19) o procurador-geral da República, Augusto Aras, para que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado. O grupo de 43 integrantes da Procuradoria Federal do Direitos dos Cidadãos (PFDC) enviou à PGR notícia-crime por “ataque explícito” de Bolsonaro ao sistema eleitoral, “com inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia”. Eles fazem referência à fala do presidente, em reunião ontem (18) com embaixadores, em que ele mente sobre diversos aspectos do processo eleitoral.

O documento dos procuradores afirma que as mentiras de Bolsonaro, expostas em equipamento público de comunicação, podem ser tipificadas como crimes eleitorais e abuso de poder. Os procuradores apontam “clara campanha de desinformação, o que semeia a desconfiança nas instituições públicas democráticas, bem como na imprensa livre”. O posicionamento dos procuradores reforça declaração do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, que desmentiu o presidente ponto a ponto. A exemplo do ministro Fachin, os juristas rebateram uma sequência de 19 falsidades de Bolsonaro.

A Procuradoria-Geral da República é o órgão com competência constitucional de determinar investigações contra o presidente – desta vez por meio da Procuradoria-Geral Eleitoral. Portanto, a PGR deve seguir “sua missão constitucional de proteção da democracia”, cobram os procuradores, sobre os atos de Bolsonaro.

Entre elas, é possível citar:

  • “Apenas Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas eletrônicas sem voto impresso”, disse o presidente. Mentira. “O voto eletrônico é adotado por pelo menos 46 nações”, rebatem os procuradores;
  • “Hacker teve acesso a tudo dentro do TSE”, disse o presidente. Mentira. “É falso que hacker teria atacado sistema de votação no 1º turno das Eleições Municipais de 2020”;
  • “PSDB disse que sistema é inauditável”, disse o presidente. “Auditoria do PSDB não encontrou fraude nas eleições”;
  • “Observadores internacionais não conseguirão analisar a integridade do sistema, pois não há voto impresso”, disse o presidente. “Organismos internacionais especializados em observação já iniciaram análise técnica sobre a urna eletrônica. Contarão com peritos em informática, com acesso ao código-fonte e todos os elementos necessários para avaliarem a transparência e integridade do sistema eletrônico de votação”;
  • “Ministro Barroso indevidamente acusou Bolsonaro de vazar inquérito sigiloso, quando ele não era sigiloso”, disse o presidente. “Corregedoria da PF disse que o inquérito era sigiloso pelo fato de ainda estar aberto”;
  • “Ministro Fachin foi advogado do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra)”, disse o presidente. “O Ministro Luiz Edson Fachin nunca foi advogado do MST”.

É a segunda vez em uma semana que integrantes da PFDC manifestam preocupação com o ambiente que tensiona o período eleitoral. No último dia 12, a procuradoria assinou nota pública contra crimes de ódio e violência política. O documento, assinado junto com o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), a Defensoria Nacional de Direitos Humanos (DNDH/DPU) e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, após o assassinato de Marcelo Arruda, dirigente petista em Foz do Iguaçu, por um bolsonarista.

Raiva e medo

A conduta de Bolsonaro também foi interpretada pelos procuradores como incentivo à anomia e ao descontrole social. “O direito à liberdade de expressão abarca também o processo de formação e divulgação das opiniões. A mudança de ideia é uma liberdade das pessoas e como a desinformação trabalha com base nas emoções, ela pode despertar sentimentos de superioridade, raiva ou medo”, afirmam os integrantes da PFDC.

“A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder (…) A desinformação deve ser veemente combatida, pois cria narrativas paralelas que tentam formar opiniões com base em manipulação, emoção, utilizando, inclusive, artifícios tecnológicos que podem dar uma precisão nunca outrora vista em relação ao perfil das pessoas a serem enganadas.”

Mais representações

Outro grupo de juristas trabalhadores do Estado, 31 subprocuradores da República, também divulgou nota de repúdio contra Bolsonaro. O cargo de subprocurador é o mais alto do Ministério Público Federal, abaixo apenas do procurador-geral da República. Entre os 31 juristas, assinaram Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e Nicolau Dino, membros da lista tríplice do MPF para ocupar o cargo de procurador-geral, que foram ignorados por Bolsonaro na ocasião da indicação de Aras.

Os subprocuradores argumentam que o cargo de presidente “não lhe dá o direito de dizer inverdades, nem de, impunemente, atacar as instituições em esforço para desacreditá-las”. “Para a garantia da independência da Justiça Eleitoral, a Lei enuncia ser crimes de responsabilidade, entre outros, utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral, servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina e provocar animosidade entre as classes armadas, ou delas contra as instituições civis”, completam.

Também está presente no texto uma crítica às tentativas de influência das Forças Armadas no processo democrático. “O respeito à Constituição e aos Poderes de Estado é dever prioritário das Forças Armadas, que se sujeita incondicionalmente àquela, tanto quanto as demais instituições estatais. O imperativo da obediência à lei impede que se busque a apropriação indevida de atribuições que não lhe são legalmente confiadas.”


Leia também


Últimas notícias