Desacato e desvarios

Com democracia em risco, Faculdade de Direito da USP será palco de nova edição da ‘Carta aos Brasileiros’

Evento no Largo São Francisco, em 11 de agosto, vai afirmar que a “consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia”

Hélio Campos Mello
Hélio Campos Mello
Goffredo lê a 'Carta' em 1977, em plena ditadura. Manifestação se repetirá quase meio século depois

São Paulo – Na noite de 8 de agosto de 1977, uma segunda-feira de tempo nublado, o professor Goffredo Telles Jr., então com 62 anos, docente desde 1940 e ex-vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), foi às Arcadas do Largo São Francisco para ler um documento que se tornaria histórico: a Carta aos Brasileiros. Passado quase meio século, uma nova “Carta” – cujo teor já está circulando – será lida no mesmo local, no próximo 11 de agosto, em defesa da democracia. A data celebra a criação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil. Banqueiros e empresários, inclusive, estão confirmando sua adesão.

Diz o texto de 1977:

O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à ­Constituição,

Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e reniten­tes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na Histó­ria da Civilização. Sem exagero, pode dizer-se que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado.

Normalidade democrática

Já o documento que deverá ser lido no próximo dia 11 pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello remete à proximidade do período eleitoral. “Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”, adverte.

A nova edição da Carta aos Brasileiros não cita nomes, mas critica “ataques infundados e desacompanhados de provas” em relação ao processo eleitoral e ao Estado de direito “tão duramente conquistado pela sociedade brasileira”. E considera “intoleráveis” as ameaças a outros poderes e a setores da sociedade, além da “incitação da violência e a ruptura da ordem constitucional”.

Em 1977, o Brasil ainda vivia sob uma ditadura e via surgir movimentos pela “abertura” política. Mas o fim do regime só viria em 1985. Pedia-se uma Constituinte, que só veio em 1988. Agora, o país já passou por oito eleições seguidas para presidente da República, mas revive tentativas de desestabilização. Que não terão sucesso, asseguram os autores do texto: “Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática”.

Assim, o documento faz menção, também, a “desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana”, referência provável à invasão do Capitólio, sede do Congresso, por adeptos de Donald Trump, em janeiro do ano passado. “Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.”

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