Vergonha e risco

Bolsonaro sabe que perdeu e prepara golpe com ajuda dos militares, alerta analista

Acuado com a perspectiva de derrota em outubro, presidente anuncia à comunidade internacional que pretende melar as eleições

Clauber Cleber Caetano/PR
Clauber Cleber Caetano/PR
Segundo o jornal The New York Times, embaixadores ficaram "abalados" com investida de Bolsonaro para contestar os resultados das eleições

São Paulo – No encontro que teve ontem com embaixadores, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro tentou legitimar o seu discurso golpista frente à comunidade internacional, num “papelão ridículo” que “envergonhou o país”. A avaliação é do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (19).

Na tarde de ontem, Bolsonaro convocou embaixadores de diversos países e fez uma exposição de teorias conspiratórias e mentiras repetidas para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro. Atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a credibilidade das urnas eletrônicas, sem apresentar uma única prova.

As mesmas urnas que garantiram a ele, bem como aos seus três filhos, inúmeros cargos eletivos, entre eles a própria Presidência da República. Contudo, para o analista, o prejuízo junto ao eleitorado que possa resultar da cena de ontem já não parece pesar para o presidente. “Não tem problema para alguém que não está preocupado em vencer democraticamente, mas na força, não ganhar votos com o evento ridículo, como esse que ele promoveu ontem. O que interessa é criar um ambiente que seja favorável a essa tentativa de golpe”, disse Couto

Para Couto, o que aflige Bolsonaro é a provável derrota nas eleições deste ano, como apontam as pesquisas. “O presidente ganhou sete vezes para deputado, elegeu os seus três filhos para diversos cargos. Ou seja, nunca teve qualquer problema com esse processo eleitoral. Agora, percebendo que vai perder a eleição, começou a enxergar defeitos no sistema”, observou.

Do mesmo modo, o jornal norte-americano The New York Times relata que os diplomatas ficaram “abalados” com o espetáculo promovido por Bolsonaro. “Esses diplomatas temem que Bolsonaro esteja preparando as bases para uma tentativa de contestar os resultados da votação em caso de derrota”. E dizem que o mandatário brasileiro segue a tática do ex-presidente Donald Trump. “Assim como Trump antes das eleições de 2020 nos EUA, Bolsonaro está atrás nas pesquisas”.

Fardados com Bolsonaro

Esse tipo de postura do presidente, “não surpreende”, afirmou. Para ele, o “mais preocupante” é a participação dos militares. Compareceram ao evento o ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral da Presidência, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Além disso, o único representante do Poder Judiciário no evento foi o ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Luis Carlos Gomes Mattos. Todos generais da reserva.

“Mostra que os militares, pelo menos uma parcela deles, aqueles que estão ali no governo, têm realmente interesse em produzir confusão”, disse Couto. “Têm interesse em eventualmente criar justificativas, pretextos, para algum tipo de ruptura violenta da ordem institucional, da ordem democrática”, alertou.

Nesse sentido, Couto afirma que Bolsonaro utiliza o Exército como uma espécie de “guarda pessoal”. Por sua vez, esses militares obedecem a “ordens ilegais” emanadas do presidente, confundindo o papel constitucional que lhes é atribuído. “Não percebem que o seu lugar não é ali. Não é na política. Seu lugar é nos quartéis, cumprindo ordens que lhes são dadas por políticos democraticamente eleitos. Mas não ordens Ilegais, essas eles não podem cumprir. Mas estão fazendo isso.”

Lira “silencia”, Pacheco “tergiversa”

O cientista político também disse que não surpreendeu o silêncio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), diante dos ataques de Bolsonaro à democracia. “Na verdade ele é parte desse processo. É talvez um dos principais cúmplices”, afirmou.

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), costuma contemporizar com os abusos de Bolsonaro, “dando uma no cravo, outra na ferradura”, segundo o analista. O senador limitou-se a postar ontem, no Twitter, que “não há justa causa e razão” para colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral. “Muitas vezes ele tergiversa, acaba deixando para lá, não cumpre o seu papel de defender a normalidade democrática, o que caberia ao presidente do Senado, que é também presidente do Congresso”, comentou Couto.

Ele destaca ainda que, até as eleições, Bolsonaro prepara um novo “7 de setembro fascista”. Dessa vez, pretende dobrar a aposta em relação ao ano passado, quando investiu fortemente contra o STF, tendo como alvo principal o ministro Alexandre de Moraes, mas teve de recuar em seguida.

Assista à entrevista