Desespero

Vontade de Bolsonaro de ganhar eleição não é situação extraordinária para decretar calamidade

“Em futuro governo poderia até haver uma avaliação de que a situação é de calamidade, mas causada pelo governo Bolsonaro”, diz economista

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Bolsonaro e dois símbolos de seu governo: o militar Braga Netto e Paulo Guedes, responsável pelo fracasso econômico

São Paulo – Jair Bolsonaro e o aliado Centrão podem recorrer a um decreto de calamidade pública, quatro meses antes da eleição. O objetivo é justificar legal e politicamente iniciativas para “derrubar” o preço da gasolina e do diesel e, por meio de subsídios, eventualmente, também da energia. Em resumo, tentar combater a aparentemente descontrolada inflação, a principal inimiga, hoje, da reeleição do presidente. Porém, depois de três anos e meio, já se tornou consensual nos meios políticos progressistas que a calamidade é o próprio governo.

“Decreto de calamidade deveria se relacionar apenas a situações extraordinárias. A vontade deles de ganhar a eleição não é uma situação extraordinária”, ironiza o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas Guilherme Mello. “É verdade que o país vive uma situação gravíssima, do ponto de vista social e ambiental, por exemplo, e que em condições normais eu diria que é uma calamidade. Mas, de fato, como você diz, é o governo que é a calamidade”, acrescenta.

Com o decreto, Bolsonaro teria recursos de sobra para driblar o teto de gastos, aumentar o valor ou o número de beneficiários do Auxílio Brasil e até mesmo, como tem sido especulado, subsidiar medidas como auxílio-caminhoneiros, auxílio-entregadores e também para motoristas de aplicativos. A competência de decretar calamidade é do Legislativo, mas constitucionalmente a iniciativa deve partir do presidente da República.

Estado de calamidade vigorou em 2020, para permitir furar o teto de gastos durante a pandemia. Mas, ironicamente, o próprio governo Bolsonaro e seus aliados recusaram o prolongamento da situação de calamidade com novo decreto que poderia se estender a 2021 e não foi editado, apesar da real calamidade sanitária com a pandemia de covid-19.

Fracasso econômico e desespero eleitoral

Mas agora, a exatos quatro meses da eleição? “Não aconteceu nada fora do normal para o governo decretar calamidade. Acredito que eventualmente, em um futuro governo, poderia até haver uma avaliação de que a situação é de calamidade, mas herdada do governo Bolsonaro”, afirma Mello. “Decidir isso de repente, sem que tenha acontecido nada extraordinário, é a prova do fracasso do governo.”

Para o professor da Unicamp, o governo foi tomado por “desespero eleitoral” e a ideia do decreto “é completamente fora das regras do jogo, porque é casuística, para tentar garantir a eleição de Bolsonaro e dos parlamentares aliados”.

A última pesquisa Datafolha – divulgada há uma semana – mostrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 21 pontos percentuais à frente, com 48% das intenções de voto, ante 27% de Bolsonaro. Considerando apenas os votos válidos, o petista teria 54% e venceria no primeiro turno, o que tecnicamente ocorre quando o candidato tem mais votos do que todos os outros somados.

Desabastecimento

Até mesmo como chantagem, os aliados políticos do governo no Congresso justificam a calamidade pelo risco de o país sofrer desabastecimento de diesel. O argumento, ao mesmo tempo, endossa a tese bolsonarista de que a culpa pela crise dos combustíveis é da Petrobras.

Mas, como se sabe, a alta dos combustíveis é decorrente da política de Preço de Paridade de Importação (PPI), adotada pela Petrobras desde Michel Temer, e mantida pelo atual governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, tem feito duros discursos contra a estatal e defende sua privatização. Já Paulo Guedes, o “posto Ipiranga’, demonstra total incapacidade de conter a inflação, que já passou dos 12% em 12 meses.

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