Pau-mandado no STF

‘Kassio Nunes atua a serviço do Executivo’, afirma jurista sobre decisões a favor de bolsonaristas

Indicado por Bolsonaro, ministro do STF devolveu, em decisão monocrática, os mandatos de Fernando Francischini, cassado por propagar mentiras sobre as urnas, e do deputado federal Valdevan Noventa, condenado por captação e gasto ilícito de recursos na campanha eleitoral de 2018

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Indicado por Bolsonaro, Nunes Marques coleciona decisões favoráveis ao mandatário e agora a seus apoiadores

São Paulo – Para o jurista e professor de Direito processual e penal Wálter Fanganiello Maierovitch, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques “vem atuando como agente a serviço do Poder Executivo”. A crítica do ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) faz referência a duas liminares do ministro, ontem (2), que derrubaram decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que condenavam deputados aliados ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), por quem Marques foi indicado à Corte. 

Nunes Marques suspendeu sozinho os efeitos das sentenças do TSE que cassavam os mandatos do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e do deputado federal José Valdevan de Jesus, conhecido como o Valdevan Noventa (PL-SE). Em entrevista ao portal UOL, nesta sexta-feira (3), Maierovitch observou que o ministro não poderia ter tomado essas decisões de forma monocrática. Mas assim atuou para apoiar Bolsonaro.

“O Nunes, com essa decisão, deu um passo larguíssimo a um impeachment que ele está por merecer. Sem dúvida alguma. Ele é um órgão do poder judiciário. Não é um órgão independente. E ele não é um agente do poder. Ele vem atuando como agente a serviço do poder executivo”, condenou o jurista. 

Caso Francischini

No caso do bolsonarista Francischini, ele foi condenado à perda do mandato e dos direitos políticos, por 6 votos a 1, pelo TSE, por disseminar a mentira de que as urnas eletrônicas foram fraudadas, em 2018, para prejudicar a eleição de Bolsonaro. No dia do pleito, o deputado estadual divulgou em suas redes um vídeo em que eleitores eram impedidos de digitar o número do ex-capitão por causa da suposta fraude. Tratava-se, no entanto, de uma montagem de fake news. E Francischini não conseguiu sustentá-la, apresentando à justiça apenas rumores e boatos sem comprovação. Ele foi o primeiro político condenado por propagar fake news

Mas o ministro do STF passou por cima da decisão do plenário do TSE, acatando os argumentos da defesa do bolsonarista. Na decisão, de 60 páginas, Nunes Marques alegou que “a interpretação adotada pelo Tribunal Superior importa em erosão do conteúdo substantivo dos preceitos relativos à segurança jurídica, à soberania popular e à anualidade eleitoral”, escreveu. Ainda, segundo o ministro, “não cabe, sob o pretexto de proteger o Estado democrático de Direito, violar as regras do processo eleitoral, ferindo de morte princípios constitucionais como a segurança jurídica e a anualidade”, emendou. 

Outra condenação anulada

No mesmo dia, Nunes Marques também suspendeu decisão do TSE que havia cassado, em março, o mandato de Valdevan Noventa. Ele havia sido condenado por captação e gasto ilícito de recursos mediante depósitos de valores de origem não identificada. De acordo com o processo, divulgado pela Folha de S. Paulo, integrantes da equipe do deputado bolsonarista aliciaram dezenas de moradores de Estância de Arauá, em Sergipe, na campanha eleitoral de 2018, para simular doações ao então candidato. A ação de investigação foi ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral. À época, a promotoria identificou mais de 80 doações de R$ 1.050 na mesma agência bancária, o que despertou o alerta sobre a possibilidade de fraude. 

As denúncias foram parar na justiça eleitoral, que confirmou as irregularidades, agora anuladas. De acordo com Maierovitch, as liminares só poderiam ter sido decretadas em caso de urgência, em que “depois não se pode mudar a situação”, explica. Mas “não era esse o caso”, adverte o jurista. “O Nunes decide como se fosse um assistente. Ele faz a assistência para o Bolsonaro fazer o gol antidemocrático, acusar o tribunal e colocar esse clima que ele vem sustentando, que é mentiroso, que visa desmoronar e desacreditar a justiça eleitoral”. 

Tabelinha com Bolsonaro

Desde que foi indicado, o ministro do Supremo vem defendendo as mesmas posições de Bolsonaro em seus votos para diferente julgamentos. Contudo, nos bastidores, segundo informações do colunista Josias de Souza, do portal UOL, já se apontam que as novas decisões de Nunes Marques alimentem a crise criada por Bolsonaro com o Poder Judiciário. Ainda nessa quinta, em sua tradicional live semanal, o presidente da República defendeu a decisão em favor de Francischini, chamando a condenação anterior de “inacreditável”. Bolsonaro também voltou a atacar o sistema eleitoral, sem provas, e resgatou diversas mentiras para defender sua posição.

A decisão do ministro do STF também ocorre em um momento de escala dos ataques do presidente da República aos ministros da Corte e às eleições deste ano. Em sua falas, Bolsonaro vem alegando que não aceitará um resultado que não for sua vitória, quando todas as pesquisas vêm indicando que ele não será reeleito e poderá perder o posto para o pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente já chegou a incitar seus seguidores para que se armem e defendam seus votos. Ainda nessa quarta, um dia antes de Nunes Marques anular a condenação, o também ministro da corte Alexandre de Moraes disse que o caso de Francischini era uma referência para a atuação do TSE em casos de fake news no pleito deste ano. 

“Notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais e que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro daquele que a veiculou”, comentou Moraes. A decisão monocrática de Nunes Marques deverá seguir para análise do colegiado, assim que liberada pelo ministro. A expectativa é que ela seja derrubada em plenário, porém, não sem custos ao STF. Além disso, segundo informações do portal g1, o ministro deve levar o caso para a 2ª turma da Corte, integrada por apenas cinco dos 11 ministros que poderiam reverter as decisões em plenário. Nunes Marques preside o colegiado, que conta também com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e André Mendonça – o segundo indicado por Bolsonaro.

Leia mais: Bolsonaristas distorcem fala de deputada para atacar urnas eletrônicas


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