Mercadores da fé

Evangélicos estão ‘estarrecidos sobre como fé se tornou moeda de troca por pastores no MEC’

Para cientista política Rosemary Senado deve instalar CPI do MEC. “Precisa aceitar que parcela do Senado quer essa investigação, inclusive sobre um presidente que tenta reeleição”

Catarina Chaves/MEC
Catarina Chaves/MEC
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, junto com ex-ministro Ribeiro (dir.), são acusados de atos de corrupção dentro do governo Bolsonaro

São Paulo – A população evangélica está “estarrecida”, de acordo com a cientista política Rosemary Segurado, com as denúncias envolvendo Gilmar Santos e Arilton Moura, presos ontem (22) pela Polícia Federal. Os pastores teriam atuado pela liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do MEC mediante recebimento de propinas. Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, a professora da PUC-SP afirmou que também interessa a esse segmento social a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias de corrupção com verbas do MEC. Gilmar e Arilson estão detidos junto o ex-ministro Milton Ribeiro, também pastor evangélico. Mas uma decisão do desembargador Ney Bello, do TRF-1, determinou a soltura dos três.

“Esse público (envangélico) está estarrecido. Ele quer respostas e quer saber como a sua fé acaba sendo negociada como moeda de troca nesse ministério para enriquecimento de pastores.”, observou Rosemary. 

A Operação Acesso Pago, deflagrada pela PF, apura “tráfico de influência e corrupção para liberação de recursos públicos” do FNDE. Os pastores são suspeitos de formar um “gabinete paralelo” que controlava a agenda do MEC e do então ministro da Educação Milton Ribeiro. Além disso, os religiosos tinham relação com o presidente Jair Bolsonaro. E desde o primeiro ano do governo, em 2019, já haviam participado de mais de 100 eventos do governo federal. Eles intermediavam acordos com prefeituras e empresários, discutiam prioridades da pasta e a destinação das verbas públicas.

Pedido de ouro

Segundo denúncias, que vieram à tona ainda em março deste ano, os pastores recebiam propinas em troca de repasses de recursos do MEC via FNDE, destinados à construção e reformas de escolas e compra de material escolar, entre outros gastos. O depoimento de prefeitos assediados pelos pastores lobistas reforçou a existência da influência na pasta, autorizada por Ribeiro. Em um dos relatos, o prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, Gilberto Braga (PSDB) contou que Moura chegou a pedir ouro em troca da liberação de recursos para a construção de escolas e creches. 

Reportagem do jornal O Globo mostrou ainda que, na noite anterior a sua prisão, Santos também cobrou a contribuição de fiéis da igreja Ministério Cristo para Todos, em Goiânia, para a reforma do templo. “Até ouro eles (pastores) chegaram a receber nessas negociações. Tudo isso precisa ficar claro e transparente”, comentou a cientista política. De acordo com ela, em paralelo às investigações da PF, o Congresso deveria instaurar a CPI do MEC para descobrir o mandante do esquema. Isso porque, em um áudio, divulgado pela Folha de S.Paulo, o ex-ministro disse que atendia a um pedido de Bolsonaro, o que depois ele negou.

Pacheco e a CPI

O senador Alessandro Vieira (PSDB-CE) disse que os parlamentares conseguiram, na noite de ontem, as 27 assinaturas mínimas necessárias para a criação da comissão. O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirma, entretanto, que ainda falta uma assinatura para alcançar o número. Ela seria do presidente da Comissão de Educação, Marcelo Castro (MDB-PI), que teria se comprometido em ser a última assinatura, segundo o senador. A CPI do MEC para apurar irregularidades vem sendo defendida desde março, mas encontra resistências.

Rosemary acredita que a base governista tentará “de todas as vias que a CPI não seja instaurada”. “Estamos a três meses das eleições e, evidentemente, muitas coisas que podem vir a público da conduta pouco republicana do Ministério da Educação e do presidente podem afetar ainda mais sua candidatura”, analisa. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o Legislativo ainda analisará se os requerimentos obedecem aos requisitos. Além disso, ressaltou que o cenário de ano eleitoral “prejudica o trabalho dessa e de qualquer outra CPI”.

A cientista política contestou a declaração de Pacheco. “Então, a melhor opção do presidente do Senado é se mostrar como um democrata e republicano e aceitar que parcela do Senado quer essa investigação. Não podemos ir para o processo eleitoral com denúncias tão graves, envolvendo pessoas tão importantes, inclusive um candidatos que está aí pleiteando a sua reeleição”, concluiu.

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção