'Máquinas de votar'

Trabalhadores de tecnologia lançam livro em defesa das urnas eletrônicas

A obra “Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira” deverá ser lançada em julho, em Brasília, durante evento da SBPC

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Atacado por defensores da terra plana, sistema eleitoral brasileiro é um exemplo para o mundo

São Paulo – Os cientistas de computação, técnicos e engenheiros que participaram do desenvolvimento das urnas eletrônicas brasileiras estão profundamente irritados com os ataques e tentativas de desqualificar o sistema eleitoral do país, considerado um exemplo para o mundo em eficiência e confiabilidade, apesar de objeto da ira de defensores da terra plana. Além das falas cotidianas do próprio Jair Bolsonaro, seus auxiliares de primeiro escalão ajudam na tarefa de atacar o sistema, tática copiada do americano Donald Trump. Na quarta-feira (25), foi a vez do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Paulo Alvim.

Em audiência na Câmara dos Deputados, ele afirmou que “o hardware tem muitas garantias e tem evoluído. Eu não posso falar a mesma coisa do software”. Acrescentou que “o computador é uma máquina burra, faz o que o homem manda”. E ainda que “o problema não é a urna, o problema é o processo de votação eletrônica, que pode ter interferência humana”.

Como resposta a essa campanha sistemática do governo Bolsonaro contra a democracia, o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT) prepara um livro com a história da criação das urnas eletrônicas. O título da obra – que deverá ser lançada em julho, em Brasília – será Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira. O SindCT representa os servidores públicos das carreiras de ciência e tecnologia lotados no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), entre outros.

Fernanda Soares Andrade, assessora de imprensa do SindCT e autora do livro, lembra que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 1994 e 1996, Carlos Velloso, foi o responsável pela ideia de um sistema de votação eletrônico dentro da corte. Ele é o autor do prefácio do livro. A jornalista destaca que a pandemia de covid-19 foi o “gancho” para a obra: na época, a onda de ataques do governo às urnas eletrônicas começou a se tornar sistemática. Fernanda ouviu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) e o presidente na época, Fernando Henrique Cardoso.

A ideia da “máquina de votar”

A ideia inicial da urna eletrônica era integrar o sistema nacionalmente, e justamente eliminar ao máximo possível a fraude no processo eleitoral. “Queriam criar uma ‘máquina de votar’, que era prevista no código eleitoral de 1932″, enfatiza Fernanda. Foi criada então uma comissão de notáveis para estabelecer parâmetros sobre o que a máquina teria que fazer: “teria de ser acessível a todos e fácil de transportar, já que enfrentaria chuva, estrada de terra, chegar de avião, de canoa, lugares sem energia elétrica”.

E mais importante do que tudo: todos, incluindo os analfabetos, tinham que poder usar. Assim chegou-se à conclusão de que, mesmo quem não sabia ler e escrever, conhecia números, já que todos usavam telefone, pagavam contas na padaria e recebiam o troco etc. “Todo mundo entendia”, destaca a autora. “Porque tinha orelhão em qualquer lugar e todo mundo conhecia o tecladinho”, diz Fernanda. “Assim, a votação se tornou de nominal para numeral.”

Mas, antes, foi preciso convencer deputados e senadores. “Os políticos tinham marca. ‘Meu nome é Sarney, meu nome é ACM. Como eu vou virar um número?’”. Parlamentares convencidos, adotou-se o teclado de um telefone.

Outra comissão foi incumbida de projetar a “máquina de votar” propriamente. Nela entraram os quatro servidores do Inpe e do DCTA, representantes da Marinha, do Exército e dos ministérios. “A ideia era integrar todos os setores do governo para que fosse um trabalho conjunto.”

Criptografia nacional

No processo de desenvolvimento do projeto, foi cogitado comprar o sistema de criptografia (sistema de comunicação segura) dos Estados Unidos. Mas a conclusão foi de que, legalmente, o país fornecedor do sistema poderia acessá-lo, o que tornaria a eleição brasileira vulnerável a “ataque” estrangeiro. “Então foi desenvolvida criptografia no Brasil só para fazer a urna e hoje isso é feito dentro do TSE”, diz Fernanda.

Em 1996, menos de dois anos depois de iniciado o processo, o sistema eleitoral com a “máquina de votar” foi inaugurado em cidades com mais de 200 mil habitantes. Quatro anos depois, as urnas eletrônicas foram implementadas em todo o país, na primeira eleição brasileira totalmente informatizada.

Em 13 de maio de 2022, o TSE finalizou o “Teste de Confirmação” do Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação (TPS) deste ano. A auditoria pública é aberta e transparente e o objetivo é verificar a evolução para reforçar a segurança.

O livro Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira terá uma edição de mil exemplares a ser distribuída para universidades, políticos e partidos, mas também será oferecido na internet gratuitamente. A intenção é lançá-la, em julho, na Câmara dos Deputados (se a Casa liberar espaço), e em evento na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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