Risco institucional

Viagragate: mais importante é discutir a ameaça autoritária do ‘Partido Militar’, alerta coronel

Coronel da reserva Marcelo Pimentel elogiou Lula que falou em demitir 8 mil militares que estão hoje no governo. Para serem valorizadas, as Forças Armadas devem retornar para o seu “lugar institucional”

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
"Geração de 1970" utilizou Bolsonaro como "cavalo de Troia" para chegar ao poder, diz coronel

São Paulo – Para o coronel da reserva Marcelo Pimentel, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, apostar no escândalo da compra de Viagra, próteses penianas e lubrificantes íntimos pelas Forças Armadas é “tiro no pé”, do ponto de vista político. Isso porque o “sensacionalismo” e o “tom jocoso” adotados pelo noticiário nessa questão podem colaborar para ampliar ainda mais a coesão entre os militares contra a imprensa. Mas importante, segundo ele, é discutir o papel do “Partido Militar”, que passou a ocupar as “entranhas e a alma” do Estado Brasileiro nos últimos anos.

Além dos desvios de finalidade, pelo menos no caso do Viagra, há indícios de superfaturamento. Nesse sentido, o coronel defende a apuração. “As Forças Armadas, ou agentes públicos que fizeram essas despesas, têm que explicar. Não há nenhuma crítica quanto à cobrança”, afirmou. “No entanto, perder tempo, durante um ano eleitoral importantíssimo, em fazer as Forças Armadas parecerem humilhadas com esse tipo de colocação, talvez seja a caracterização de um alvo errado”, acrescentou.

“Se tiver irregularidades, que se apure. Mas não são relevantes, sobe o ponto de vista político. Estão colocando como alvo uma instituição, que não é responsável pelas aventuras políticas dessa geração que se arvorou a governar o Brasil como se fosse um quartel”, criticou Pimentel, em entrevista ao programa Live do Conde, na TVT.

Reerguer a “muralha”

De acordo com o coronel, o fundamental, nesse momento, é discutir como restabelecer a “muralha institucional” que separa a sociedade civil dos militares. Essa obra foi empreendida, de lado a lado, no período da redemocratização. Por outro lado, ele afirma que o “Partido Militar” utilizou a candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro como uma espécie de “cavalo de Tróia” para romper com essa separação.

“Infelizmente, em 2018, mas já antes disso, essa muralha começou a ser abalada em seus alicerces. E hoje vemos completamente comprometida essa obra sociológica e histórica que vem desde a Constituição de 1988”, lamentou Pimentel. Nesse sentido, ele classificou como “feliz” e “pertinente” a posição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que declarou, recentemente, que vai demitir os 8 mil militares que atualmente ocupam cargos na administração federal, caso seja eleito.

“Quando Lula ou qualquer outro candidato a presidente demonstra que entendeu esse fenômeno, de que é preciso, para valorizar as Forças Armadas, que elas retornem para o seu lugar institucional, na percepção da sociedade brasileira, então essa declaração é pertinente, é feliz”, ressaltou.

Dessa maneira, ele defende que é preciso afastar da política as “cúpulas hierárquicas” das Forças Armadas, que ocupam cargos de destaque no atual governo. “No momento que eles entram no governo, todo o resto veio atrás. No momento em que eles saírem, o resto vai sair também”, analisou.

O Partido Militar

Na visão de Pimentel, não são as Forças Armadas, como um todo, que capturaram o Estado. Mas uma fração específica dos militares. “Esse grupo é dirigido por oficiais generais e coronéis, da ativa e da reserva, formados na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na década de 1970. Não toda essa geração, mas uma parte considerável, que é a geração Bolsonaro”. Assim, esse grupo seria responsável por dois processos que se alimentam mutuamente: a “politização das Forças Armadas”, de um lado, e a “militarização da política“, por outro.

“Chamo esse grupo de Partido Militar para diferenciar das Forças Armadas. Não são as Forças Armadas que estão no governo. Elas foram instrumentalizadas por esse grupo, que as utiliza como instrumento para seus projetos políticos, baseadas em visões político-ideológicas pessoais. E que estão conseguindo. Já estão no poder a quatro anos. Já estavam com uma vanguarda no governo anterior (Temer). E que estão empreendendo, por diversos artifícios, inclusive a narrativa do golpe institucional, processos para manter o poder que já têm e já exercem”.

Esse grupo, segundo Pimentel, utilizou o “estorvo Bolsonaro” quando percebeu que o projeto político que culminou com o golpe do impeachment contra Dilma Rousseff, em 2016, não seria capaz de vencer as eleições seguintes. Mas a transformação de Bolsonaro em mito começou a ser preparada pelos militares alguns anos antes, entre 2010 e 2012.

“Foi exatamente quando a geração de Bolsonaro, seus amigos, que ao longo da carreira ficaram quietos, passar a integrar o Alto Comando. Não foi à toa que o brado da Brigada Paraquedista do Exército, “Brasil acima de tudo”, virou slogan eleitoral, com silêncio total do Alto Comando, então comandado pelo general Villas Bôas“, explicou.

De “cavalo de Troia” a “espantalho”

A partir dessa estratégia, o “Partido Militar” conseguiu galgar os principais postos da administração federal. “Bolsonaro serviu como “cavalo de Troia”, permitindo a essa geração a ocupar cabeça, tronco, membros, entranhas e alma da máquina governamental do estado brasileiro. Seja na administração direta ou indireta, assim como nas estatais. Não só na presidência das estatais, mas nas diretorias e conselhos consultivos, que estão completamente ocupados pela geração de 1970. E também pela geração de 1980. Porque, no Exército, ‘a palavra convence, mas o exemplo arrasta’, muito mais do que em qualquer outra instituição”.

Após a chegada ao poder, Bolsonaro passou a servir como uma espécie de “espantalho” do Partido Militar. Como exemplo, ele citou a polêmica em torno da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil em Washington. Ao mesmo tempo, os militares conseguiram aprovar uma generosa “reforma” da Previdência, que em vez de cortar direitos, como ocorreu com o restante da população, garantiu a eles ainda mais privilégios. “O Bolsonaro nessa história é central, pois funciona como um catalizador desses processos do Partido Militar. Mas não é ele o idealizador, nem é ele quem conduz as dinâmicas, dissimulações e bandeiras falsas”, alertou.

Assista à entrevista de Marcelo Pimentel a Gustavo Conde


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