Falsos valores

Suspeitas de corrupção no governo podem ‘abalar as estruturas’ bolsonaristas

Cientista afirma que governo cria ‘monstro’ ao concentrar poder no Centrão. E depende de seguidores que acreditem e disseminem fake news em sua defesa

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR
Diversas denúncias de corrupção envolvem governo, militares e políticos do centrão

São Paulo – O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) está sob a mira de diversas suspeitas de corrupção, nas últimas semanas. Entre elas: denúncias de propinas na liberação de verbas do Ministério da Educação, construções de escolas “falsas”, superfaturamento de veículos escolares e até remédios pelo Ministério da Defesa. Para a cientista política Mayra Goulart, os casos podem abalar o governo Bolsonaro e a estrutura do bolsonarismo.

“Houve vários escândalos recentes, seja das escolas ‘fakes’, dos pastores, compras de veículos e até a compra de kits de robóticas. Essa teia de escândalos pode abalar o bolsonarismo. O tema da corrupção é algo muito caro para o populismo da direita, porque esses líderes reduzem o universo social numa relação maniqueísta entre bem e mal. E eles blindam seus apoiadores de lidarem com novos fatos”, analisou Mayra, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ). Coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada, ela falou à Rádio Brasil Atual nesta terça (11).

Uma das táticas dessa blindagem está na propagação de mentiras como meio de defesa. Por exemplo, uso frequente pelo próprio Bolsonaro do jargão “três anos sem corrupção” encontra divulgadores em suas bases. “Nosso desafio é como conseguir comunicação com pessoas que estão dentro dessas bolhas de dissonância cognitiva”, afirma a pesquisadora.

Mayra considera um erro formuladores de opinião do campo progressista acharem que as classe médias e segmentos mais escolarizados não vivem nessas bolhas. “Achar que é só pobre que acredita em fake news (é um erro)”, observa. “O populismo de direita prolifera em camadas altas e médias e a gente tem dificuldade de se comunicar. A gente tem de ter isso em mente para tentar disputar a sociedade. Não adianta só falar com convertidos, pois precisamos ampliar o espectro da nossa comunicação.”

Vale acompanhar a entrevista completa (20 min)


Uma das pastas mais importantes do governo, o MEC está no centro de uma série de escândalos. Tudo começou com denúncias de desvios de recursos para favorecer municípios em troca de propinas cobradas por pastores amigos de Jair Bolsonaro. Em conversa gravada que veio a público, o então ministro Milton Ribeiro, que também é pastor e demitiu-se do cargo, chegou a dizer que tinha conhecimento do esquema e que cumpria ordens do presidente.

Na onda de denúncias de corrupção vieram ainda o desvio de R$ 26 milhões que teriam sido destinados à compra de kits de robótica de uma empresa que pertence a aliado do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e fiel aliado de Bolsonaro. Municípios que contrataram esses kist concentram quase 80% do que Jair Bolsonaro gastou com essas despesas em 2021, o que equivalente a R$ 31 milhões.

Houve ainda a denúncia de superfaturamento na compra de ônibus escolares. O pregão foi barrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na semana passada, no dia da realização. No último fim de semana, veio a público a autorização para a construção de 2 mil “escolas fake”. As obras, anunciadas, não têm recursos suficientes e levariam 51 anos para ficar prontas.

Poder do Centrão

bolsonaro corrupção
Ausência de investigações de corrupção passa pela relação entre Arthur Lira e Bolsanaro (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR)

As mais diversas denúncias de corrupção no governo Bolsonaro envolvem outros atores políticos, entre eles os parlamentares dos partidos de centrão. Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, Mayara Goulart explica que o processo de trocas políticas são comuns na democracia, mas alerta que o modelo de negociação adotada por Bolsonaro permite o fortalecimento de figuras individuais.

“O Bolsonaro se elege prometendo acabar com o presidencialismo de coalizão, chamado por ele de “toma lá da cá”. Porém, isso permitia diferentes partidos envolvidos na composição do governo, garantindo apoio legislativo. Isso existe nas democracias mais consolidadas do mundo. Quando temos esse padrão, as trocas são mais “baratas” e cria dimensões maiores para esses apoios. Porém, o loteamento do apoio tira o projeto ideológico para se tornar algo mais programático. O custo interno de negociação na Câmara está cada vez maior e precisamos observar o grau de legitimidade dessas trocas”, afirmou Mayra.

Um dos exemplos citados por ela foi da contratação de kits de robótica com uma empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No caso, sete municípios alagoanos e dois pernambucanos participaram da ação. Segundo a cientista política, antes os chefes municipais buscavam apoio do Executivo federal para receber verbas, mas agora vão à Câmara, pois o poder está concentrado na mão de poucas pessoas.

“Estamos criando um monstro e, por isso, a sociedade precisa pressionar para que essas transferências sejam transparentes, para que possamos interpelar essas ações feitas pelos parlamentares. Estamos vendo uma máquina sendo criada para controle territorial e eleitoral”, alertou a especialista.


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