ILEGALIDADES

Com perdão a Daniel Silveira, Bolsonaro ‘normaliza’ seus próprios crimes e aposta em ruptura

Bolsonaro, ao indultar Daniel Silveira, se apropria da última palavra sobre a Constituição, que é papel do STF, e reforça conduta de provocador

Reprodução/Facebook
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Juiz Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afirma que Bolsonaro tenta se colocar como interprete último da Constituição

São Paulo – O indulto, ou graça, concedido ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), na última quinta-feira (21), possui uma série de ilegalidades, além de representar um ataque às instituições e aos fundamentos da Constituição e da democracia. Segundo juristas, o decreto do chefe do Executivo vai alimentar as ameaças de ruptura institucional.

Na última quarta-feira (20), o parlamentar bolsonarista foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaças à Corte e à democracia. Entretanto, horas depois, Bolsonaro assinou um decreto concedendo “graça” ao parlamentar, retirando a pena imposta.

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O advogado Augusto de Arruda Botelho explica que o indulto e a graça, aplicados por Bolsonaro, são previsões constitucionais e cabe ao presidente aplicá-los em casos concretos. Porém, ele aponta que o decreto concedido pelo presidente tem uma série de ilegalidades. “Primeiro, ele fere o caráter de impessoalidade, dada a apenas uma pessoa e de proximidade ideológica. Segundo, não poderia conceder indulto num processo ainda em andamento. Ele não está com trânsito em julgado, pois ainda cabe recurso. Do ponto de vista processual, é uma ilegalidade gigantesca”, afirmou à Rádio Brasil Atual.

Nesse sentido, o cientista político Claudio Couto cita que todo cidadão tem direitos constitucionais – o do presidente de conceder indulto ou graça é um deles. Mas que todos têm limites. “Não é porque eu tenho direito a ter uma carteira de habilitação que eu posso subir com o carro na calçada e atropelar pessoas”, exemplifica.

Já o juiz Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afirma que Bolsonaro tenta se colocar como interprete último da Constituição. “O ato de Bolsonaro é para deslegitimar a decisão do Supremo e abrir mais um flanco da crise institucional, que está um pilar de seu mandato. Enfim, ele não só concedeu um favor a um amigo, mas se colocou como interprete supremo da Constituição, tentando provar que pode mais que o STF. Ele havia dito, certa vez, que a “Constituição sou eu”. Agora, ele partiu para a ação, mas, para sua frustração, o Supremo é quem dará a última palavra”, alertou.

Ataque à democracia

A condenação de Daniel Silveira pelo STF foi quase unânime: 10 votos favoráveis e um contrário. Além da prisão em regime fechado, o bolsonarista também está condenado a perda do mandato e dos direitos políticos e multa de R$ 212 mil.

Na avaliação do cientista político Claudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o indulto concedido por Bolsonaro é uma tentativa de fragilizar mais a autoridade do STF e do Judiciário. “Ao atacar a decisão e até o fundamento dela, ele questiona os argumentos dos ministros. Ele não tomou uma decisão humanitária, ele atacou a decisão a Corte, e o Executivo não pode interpretar a fundamentação das decisões”, afirmou no rádio, em entrevista a Glauco Faria. O jornalista lembrou, inclusive, de ataques de incitação ao ódio ao STF já praticados pelo próprio Bolsonaro por seu filho Eduardo, o 04. Desse modo, o perdão de Bolsonaro a Silveira é, além de agressão constitucional, uma forma de legitimar seus próprios atos antidemocráticos e de seus seguidores.

Claudio Couto acrescenta que, ao atacar o STF, Bolsonaro tenta vencer a mentira de que os juízes “são parciais, desconfiáveis e suas decisões não precisam ser acatadas”. “Ele está fragilizando o ordenamento constitucional todo. O Daniel Silveira foi condenado por atacar a separação de poderes e, agora, o Executivo anula a decisão, que tinha como objetivo defender a Constituição. Então, a decisão de Bolsonaro ultrapassa o campo político e atinge a fundamentação constitucional da democracia”, criticou o cientista político.

Para Augusto Botelho, a medida de Bolsonaro é mais política do que jurídica.” Ele sabe que há uma possibilidade muito grande de o STF reverter a decisão e construirá uma narrativa de que os ministros interferem o Poder Executivo. Esse é um caso bastante grave e irá alimentar as ameaças de ruptura constitucional”, acrescentou.


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