Recuo do recuo

Trapalhada ou marketing? ‘Desistência’ de Doria dá holofote a sua candidatura de 2%

Após novela com idas e vindas, governador de São Paulo confirmou que é pré-candidato à presidência pelo PSDB, mas enfrenta dificuldades para decolar

Flickr/GOVSP
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Doria terá como desafios unificar os tucanos e atrair outros partidos

São Paulo – O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), após reunião com tucanos no Palácio dos Bandeirantes nesta quinta-feira (31), desistiu de sua desistência da pré-candidatura à presidência da República. Durante a manhã, ele chegou a anunciar a aliados que desistiria da disputa ao Palácio do Planalto. Inclusive, aventou a hipótese de se desfiliar do PSDB. Doria, no entanto, foi pressionado pelo partido a se manter na disputa nacional. A avaliação é que a novela do dia envolvendo Doria se trata de uma tentativa dos tucanos para tentar alavancar sua candidatura.

Doria confirmou hoje que transmitirá o comando do estado ao vice-governador, Rodrigo Garcia (PSDB), no próximo sábado (2). “Quero dizer, sim, que serei candidato à presidência da República pelo PSDB”, disse Doria, que prometeu vencer o “populismo”, a “maldade” e a “corrupção”.

Desde que venceu as prévias do PSDB, Doria não deslancha como nome capaz de liderar a chamada “terceira via”. Nas pesquisas de opinião, ele figura entre 2% e 3% das intenções de voto. Além disso, sofre com elevada taxa de rejeição. Pesquisa Ipespe divulgada na semana passada indica que 58% rejeitam seu nome como candidato a presidente. Ele só perde para Jair Bolsonaro, que tem 63% de rejeição.

Minúsculo e rejeitado, o recuo do recuo de Doria na disputa pelo Palácio do Planalto coincide com a movimentação de outro pré-candidato. Também nesta quinta, o parcial ex-juiz Sergio Moro trocou o Podemos pelo União Brasil (fusão do DEM com PSL). No novo partido, são mínimas as chances de Moro ser candidato à presidência. Assim, Doria espera herdar os cerca de 6% a 8% que Moro costuma registrar nessas pesquisas. Mas há risco de os moristas preferirem Bolsonaro, em vez do governador paulista.

Pecha de traidor

A alta rejeição de Doria se explica pela pecha de traidor que acabou angariando na sua curta trajetória política. Ele se mostrou pouco confiável quando rompeu com a promessa de cumprir integralmente o mandato de prefeito de São Paulo. Ele abandonou a capital após 15 meses, para entrar na disputa pelo governo do São Paulo, em 2018.

Durante as últimas eleições, no entanto, em vez de apoiar a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin à presidência, Doria preferiu trair seu então aliado e lançou a campanha “BolsoDoria”. Com isso, se alinhou ao discurso antipetista do bolsonarismo para assegurar o voto conservador do eleitorado paulista.

Assim que assumiu como governador, no entanto, Doria rompeu com Bolsonaro. Durante a pandemia, ele passou a antagonizar com o presidente, com o objetivo de se apresentar como alternativa supostamente moderada ao nome de Bolsonaro, identificado com a extrema-direita.

O espectro da traição também rondou a ameaça de desistência de Doria. Isso porque uma das opções seria continuar à frente do governo de São Paulo para tentar a reeleição. Esse caminho, no entanto, o colocaria em choque com seu próprio vice, Rodrigo Garcia. Foi Doria, inclusive, que levou Garcia para o PSDB, com o objetivo de tentar fazê-lo seu sucessor. Nesse sentido, aliados de Garcia chegaram a ameaçar protocolar pedido de impeachment de Doria, caso ele decidisse permanecer como governador.

O anúncio de desistência de Doria, feito ontem a Garcia, também paralisou a Assembleia Legislativa. O presidente da Casa, o tucano Carlão Pignatari, passou a manhã inteira reunido com a bancada do partido, que não teve sessão deliberativa nesta quinta.

Racha tucano

Ainda que se mantenha como candidato do PSDB na corrida presidencial, Doria não é unanimidade nem mesmo dentro do seu partido. Tucanos históricos como o senador José Anibal e o deputado federal Aécio Neves são desafetos declarados do governador. Eles e outros nomes do PSDB trabalham para compor uma aliança, ou até mesmo uma federação, com o MDB e o União Brasil. Dessa articulação, surgiria uma candidatura unificada da “terceira via”.

O ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, que perdeu as prévias tucanas para Doria, continua sendo o nome mais cotado. Nesta semana, inclusive, Doria chegou a denunciar um suposto “golpe” em curso no PSDB para derrubar sua candidatura. Assim, um dos maiores desafios de Doria é tentar fechar as feridas entre os próprios tucanos, antes de pretender alçar voos mais altos. Por outro lado, não será tarefa simples para ele angariar outras legendas para a sua candidatura.


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