Manipulação da fé

Bolsonarismo intensifica campanhas de medo e mentiras entre evangélicos

A esquerda precisa apresentar propostas aos evangélicos que tenham a ver com a vida das pessoas, afirma pesquisadora

Valter Campanato/Agência Brasil
Valter Campanato/Agência Brasil
Na semana passada, com Damares ao seu lado, Bolsonaro se reuniu com lideranças evangélicas em pleno Palácio da Alvorada

São Paulo – Segundo a pesquisa PoderData realizada entre os dias 13 e 15 de março, Jair Bolsonaro (PL) tem 46% das intenções de voto dos eleitores evangélicos no primeiro turno. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as intenções de voto no cômputo geral, tem 22% nesse segmento religioso. Entre os católicos, Lula tem 48%, contra 20% do atual presidente. Já a pesquisa Genial/Quaest mostra avaliação do governo conforme a opção religiosa. Para 34% dos evangélicos a gestão Bolsonaro é negativa, enquanto 31% o consideram como regular e 33% o classificam positivamente. Entre os católicos, a visão é diferente: a maioria (53%) vê Bolsonaro de forma negativa, 24% o julgam regular e 22% o aprovam.

Desde o início do ano, Bolsonaro e seu entorno trabalham para reverter a queda de popularidade entre os evangélicos registrada no ano passado. De janeiro a setembro, o Datafolha registrou que a aprovação (ótimo ou bom) do presidente despencou de 40% para 29%. Por isso, o chefe do governo e aliados se movimentam junto a esse eleitorado. Na semana passada (8 de março), Bolsonaro se reuniu com líderes religiosos e prometeu que “dirigirá a nação para o lado que desejarem”. A reunião – em pleno Palácio da Alvorada – teve a presença de mais de 100 convidados.

Campanha para disseminar o medo

Não por acaso, dois dias depois, o deputado federal e líder da bancada evangélica na Câmara, Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), disse em entrevista ao portal UOL que “Lula não vai mais enganar o segmento evangélico”. O parlamentar enfatizou que, se o petista teve o apoio dos evangélicos em 2002, “nós vimos a afronta que o governo do PT fez ao segmento evangélico na luta por valores que são totalmente divorciados ao que acreditamos e defendemos”.

A fala do deputado faz parte de um roteiro traçado desde o início do ano, observa a jornalista Magali Cunha, pesquisadora de mídias, religiões e política do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Ela nota que, também não por acaso, essas lideranças vêm fazendo, nas redes sociais e sites, grande esforço de recuperação do apoio perdido.

Magali cita o Coletivo Bereia, que monitora e checa notícias sobre religião. De janeiro para cá, ela observa uma quantidade intensa de campanha política com viés eleitoral. E conteúdos carregados de desinformação sobre a oposição, especialmente Lula, e favoráveis ao governo Bolsonaro.

“Isso tem apelo junto ao público, especialmente os conteúdos que trabalham com imposição de medo. Criam ideias de inimigos da igreja na esquerda, colocando a oposição a Bolsonaro como ameaça à liberdade religiosa”, diz a pesquisadora. “Esse tema tem sido explorado e deve entrar com força para tentar captar cada vez mais apoio a Bolsonaro e rejeição às esquerdas”, acrescenta.


Equipe de Lula prepara “vacina”

A equipe do ex-presidente Lula afirma ter identificado ampliação de ataques e notícias falsas em sites e redes sociais ligadas a apoiadores de Bolsonaro dirigidas aos evangélicos. “Iniciamos um mutirão de vacinação contra fake news. Esta vacina foi produzida a partir de diversas denúncias que recebemos por meio de nossos grupos de whatsapp e pelo site lula.com.br/verdadenarede”, afirma a página de Lula.


O que se pode usar como antídoto contra as campanhas enganosas, desinformação e mentiras? A pesquisadora acredita que, principalmente a mídia de esquerda ou progressista, deve evitar abordagens que estigmatizem a população evangélica. E, assim, apresentar a ela – assim como a todos os cidadãos – propostas gerais que dizem respeito a suas vidas: segurança pública, escolas, transporte, creches etc.

Pânico sobre erotização

É uma questão de linguagem. “A linguagem é fundamental”, diz Magali. “É preciso desfazer a separação dos evangélicos da sociedade, como se essa população não fosse também formada por pessoas comuns. Não se pode tratar esse grupo como pessoas alienadas e até inimigas das propostas de esquerda, mas abordar propostas que tenham a ver com a vida delas.”

Para Magali, é preciso evitar “entrar na armadilha” de discutir questões ideológicas e disputas de narrativas. “Claro, é importante contrapor o que é mentiroso, falso, enganoso, mas é essencial sair da defensiva e entrar numa postura propositiva, que interesse à vida, ao dia a dia das pessoas”, aconselha.

Um vídeo no YouTube “amplamente disseminado nas redes sociais digitais e em sites e blogs evangélicos em 2018, voltou a circular em espaços digitais religiosos no início deste ano”, diz o Coletivo Bereia, em matéria da semana passada intitulada “Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades”. O vídeo é parte de uma palestra da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

Nele, a ministra-pastora mostra imagens de desenhos animados clássicos da Disney deturpados e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados!”. “Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz Damares no vídeo.