"Contra a humanidade"

MPF desmembra investigações da CPI da Covid. Pazuello, Mayra Pinheiro e Precisa na mira

Preocupação agora é com Augusto Aras. “Vamos continuar cobrando da PGR. Já aprovamos a convocação do procurador-geral e vamos pra cima dele”, diz senador Humberto Costa

Reprodução/Youtube
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Diante de milhares de mortos, Pazuello escarnece ao lado do chefe: "um manda, outro obedece"

São Paulo – O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República no Distrito Federal, decidiu abrir 12 ações distintas e independentes para investigar focos ou temas específicos do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 do Senado. Na prática, cada um dos temas será objeto de uma linha de investigação. A decisão do MPF abrange pessoas que constam do relatório da CPI da Covid, mas não tenham foro privilegiado. O chefe de governo, Jair Bolsonaro, e atuais ministros de Estado não são atingidos pela decisão. Para isso, é preciso denúncia do procurador-geral da República, Augusto Aras.

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello é alvo de um dos focos de investigação. Ele é considerado um emblema de ações e omissões no Ministério da Saúde que fizeram com que o Brasil chegasse aos quase 620 mil mortos por covid-19 desde o início da pandemia. Ele apareceu em outubro de 2020 em um vídeo, ao lado do chefe Bolsonaro, para explicar o cancelamento de negociação para a compra da vacina CoronaVac. “É simples assim: um manda e o outro obedece”, disse às gargalhadas.

Outros nomes na mira das investigações são, por exemplo, o ex-secretário de comunicação (Secom) da Presidência da República Fabio Wajngarten, e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do ministério Mayra Pinheiro. O ex-chefe da Secom foi envolvido em suspeitas de corrupção pela CPI. Já Mayra foi denunciada por crime contra humanidade, entre outros, por sua atuação no auge da crise da pandemia em Manaus.

Decisão “muito positiva”

A funcionária, conhecida como “Capitã Cloroquina”, esteve na capital amazonense para propagar e trabalhar pela utilização em massa do chamado kit covid pelos hospitais e médicos locais. Enquanto a representante do governo disseminava e fazia campanha oficial pelo uso de remédios sem eficácia contra o vírus, pessoas morriam por falta de oxigênio hospitalar na rede de saúde de Manaus.

A decisão do MPF de desmembrar as denúncias da CPI da Covid “é muito positiva, no sentido de promover a investigação das pessoas que não têm foro especial”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE). O parlamentar afirmou que a preocupação dos senadores agora é com a PGR, chefiada por Aras, que precisa fazer processo ou movimento semelhante em relação a Bolsonaro, protegido pelo foro.  

“Vamos continuar cobrando da PGR. Já aprovamos uma convocação do procurador-geral e vamos pra cima dele”, diz o senador petista. Em 23 de novembro, a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou requerimento com convite para Augusto Aras comparecer ao colegiado. Ele deverá prestar esclarecimentos sobre medidas da PGR sobre indiciamentos pedidos ao MPF pelo relatório final da CPI da Covid.

MPF: “danos irreparáveis à sociedade”

A procuradora da República Marcia Brandão Zollinger, que assinou o desmembramento, destacou que cada uma das 12 análises será independente. Segundo o MPF, “a difusão sistemática do tratamento precoce com medicamentos ineficazes e a estratégia pela busca da imunidade de rebanho pela contaminação natural produziram um risco relevante e grave que causou danos irreparáveis à sociedade brasileira”.

Senadores comemoram nas redes sociais. “A CPI da Pandemia tem resultados práticos! Hoje a Procuradoria da República do Distrito Federal decidiu desmembrar, em 12 correntes independentes, a investigação aberta pelo órgão a partir das conclusões da nossa Comissão”, saudou o então presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “Luz, mesmo que seja de lamparina, na escuridão da impunidade”, escreveu Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi vice-presidente da CPI. “Os crimes não ficarão impunes e os responsáveis, negacionistas, genocidas, desonestos irão pagar exemplarmente”, prometeu o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), na mesma rede.

Os 12 focos de investigação da CPI da Covid determinados pelo MPF

1) Ações e omissões no Ministério da Saúde, na gestão de Eduardo Pazuello – Acusações de “crime de epidemia com resultado morte” (art. 267 do Código Penal) contra Pazuello, Mayra Pinheiro, Elcio Franco Filho, ex-secretário-executivo, e outros.

2) Caso Prevent Senior.

3) Caso Covaxin–Precisa.

4) Caso VTCLog – Suspeita de irregularidades em contrato com o Ministério da Saúde, para transporte e armazenagem de vacinas.

5) Caso Davati – A denúncia de pedido de propina para o fornecimento de 400 milhões de doses inexistentes da vacina AstraZeneca.

6) Usurpação de função pública – Airton Soligo, ou “Airton Cascavel”, ex-assessor especial do Ministério da Saúde, é acusado de exercer a função sem efetiva nomeação.

7) Fake news e incitação ao crime – A disseminação de notícias falsas teria violado o art. 286 do Código Penal.

8) Responsabilidade civil por dano moral coletivo. Envolve a farmacêutica Vitamedic e a associação Médicos Pela Vida como passíveis de condenação à reparação de dano moral coletivo por promover o “tratamento precoce” e “imunidade de rebanho”.

9) O impacto da pandemia sobre povos indígenas e quilombolas.

10) O impacto da pandemia sobre mulheres e população negra.

11) Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), do MS, teria adiado análise do “kit covid” por pressão política.

12) Planos de saúde e hospitais – Envolve planos de saúde e a atuação possivelmente omissa da Agência Nacional de Saúde Suplementar na fiscalização das operadoras.

mpf cpi da covid
Relatório final da CPI da Covid foi apresentado em outubro e encaminhado ao MPF (Foto: Edmilson Rodrigues/Agência Senado)