RECONSTRUÇÃO

‘Ninguém se acostuma com coisa ruim’, diz Lula sobre gestão Bolsonaro

Ex-presidente defendeu frente ampla para garantir governabilidade, mas sem abrir mão de ideais e pontos programáticos como a reversão de parte da reforma trabalhista

REPRODUÇÃO/TVT
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Lula: "Não posso vencer uma eleição aos 76 anos e dizer que não posso governar, porque preciso atender o mercado ou manter o Teto de Gasto. E o teto de comida? E o teto de emprego?"

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu uma aliança ampla para derrotar o governo de Jair Bolsonaro (PL) e, principalmente, para reconstruir o país, tarefa que definiu como “nada fácil”. Em entrevista coletiva a veículos independentes nesta quarta-feira (19), ele destacou os problemas do desemprego e da fome, marcas da atual gestão federal, e disse que só será candidato caso seja possível reverter a crise. “Ninguém se acostuma com coisa ruim. Ninguém tem aspiração de ficar sem comer ou morrer num barraco, as pessoas querem subir na vida. Precisamos atender os sonhos da sociedade”, afirmou.

Questionado em diversos momentos sobre uma possível aliança que teria como vice o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, Lula apontou que a ideia é fazer alianças políticas “para transformar o Brasil” e vencer Bolsonaro. Segundo ele, será a maneira de garantir governabilidade e colocar seus projetos em práticas.

“Você acha que alguém tem aspiração de dormir num quartinho 12 por 2? Morei num quarto e cozinha com 13 pessoas. Então, eu tenho consciência do que esse povo está passando”, afirmou. “Não posso mentir. Não posso dizer: ‘ganhei, mas não posso fazer as coisas. Desculpa, tenho que atender o mercado, a Faria Lima, preciso ter responsabilidade fiscal, manter o teto de gastos…’ E o teto de comida, e o teto de emprego, de saúde, de salário, quem vai devolver para esse povo?”, questionou Lula, com os olhos marejados.

“Só tem sentido eu voltar a ser presidente setiver o compromisso de que as pessoas vão viver dignamente nesse país”, pontuou. “Se não fora pra fazer isso, melhor pedir a conta e ir embora. É pra fazer esse país que preciso fazer uma construção mais ampla que o PT, e não mais à esquerda, mas ao centro. E se for o caso, até com setores de centro-direita.”

Alianças de Lula contra Bolsonaro

O jornalista Ivan Longo, da revista Forum, perguntou se uma aliança com perfil de direita não faria um futuro governo abrir mão de pontos de um programa progressista, como reverter o teto de gastos e parte da reforma trabalhista, além de retomar a soberania da Petrobras. Como resposta, Lula disse que o possível vice ajudará a aprovar essas pautas propostas e citou como exemplo a tentativa de uma mudança tributária, apresentada em 2007, que não teve apoio legislativo.

“A ideia é fazer alianças políticas para transformar o Brasil, principalmente para uma reforma tributária. Em 2007, propus uma mudança tributária que teve apoio de todos governadores, empresários e sindicalistas, mas o Legislativo vetou. Vamos precisar mudar muita coisa, como a relação com o Congresso Nacional. A reforma tributária é necessária para dar mais sustentabilidade para os de baixo e mais compromisso com os de cima. Tenho conversado muito com o (Gilberto) Kassab e tem chance de construir algo junto. Qualquer pessoa que será vice ajudará para contribuir isso”, disse.

Indústria e paridade de gênero

O editor-chefe da Rede Brasil Atual, Paulo Donizetti de Souza, questionou se o projeto de país pensado por Lula passaria pela criação de um novo modelo industrial, que considerasse a sustentabilidade e o meio ambiente. O ex-presidente disse que o Brasil precisará pensar em novos nichos industriais e lamentou que, desde o governo Bolsonaro, foi perdida parte da estrutura da indústria automobilística e da aviação.

“O único desafio que cabe a mim é envolver as universidades, os empresários e o Estado para discutir o que fazer. Na época do BNDES, criamos núcleos de inovação industrial, mas os empresários não investem em pesquisa. Sabe quem investia nisso? A Petrobras, ou seja, o Estado. Portanto, a política industrial precisa passar numa discussão com a sociedade, com cientistas, universidades e empresários”, defendeu o petista.

Também pensando num projeto de governo, o possível candidato às eleições falou sobre estabelecer paridade de gênero em cargos ministeriais e executivos, abrindo mais espaços para mulheres e também para negros. Lula disse que o objetivo é criar uma gestão representativa, diferente do governo Bolsonaro, e acrescentou que o PT foi o responsável por eleger a primeira mulher presidenta do Brasil: Dilma Rousseff.

“Não posso falar de números, mas os partidos estão trabalhando com a ideia de que as mulheres terão de ter uma participação mais forte, o mesmo se aplica aos negros e indígenas. O PT quer fazer um governo que respeite e densidade da população brasileira. O meu grande feito no governo foi colocar o povo no centro das decisões e precisamos colocá-lo novamente no centro da história. É possível exercer a democracia respeitando a totalidade brasileira”, afirmou, ao jornalista Mauro Lopes, do Brasil 247.