"Moderado"

Brasília é ‘ilha da fantasia’, diz vice-presidente da Câmara, que deixou PL

Deputado Marcelo Ramos, que deixou o PL após entrada de Bolsonaro, critica o Legislativo e defende frente por eleição de Lula

Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
Ramos: Se você não se beliscar todo dia, acaba se desconectando do povo. Esquece qual é a sua missão, que é a de estar ali, de servir as pessoas

São Paulo – A avaliação negativa da população sobre o Legislativo brasileiro traz muita angústia para o deputado federal amazonense Marcelo Ramos. Vice-presidente da Câmara, Ramos deixou o Partido Liberal (PL) depois da entrada do presidente Jair Bolsonaro. Para o parlamentar em primeiro mandato, a maioria dos parlamentares do Congresso brasileiro abriu mão de analisar os mais de 140 pedidos de impeachment de Bolsonaro, além de centenas de outros projetos de interesse social.

“Brasília é uma ilha da fantasia, um conto de fadas, um lugar onde não tem pobreza. Os homens se vestem de terno e todos andam de carro com ar-condicionado entre o Congresso e seu apartamento funcional. Se você não se beliscar todo dia, acaba se desconectando do povo. Esquece qual é a sua missão, que é a de estar ali, de servir as pessoas”, disse, em entrevista a Gustavo Conde, do programa Bom para Todos, da TVT.

Para ele, o problema não está no exercício da atividade parlamentar. “Mas quando pensamos que podemos tudo, que os muros do parlamento permitem que tudo se faça porque a sociedade vai ignorar. Precisamos ser mais sensíveis à angústia e sofrimento da população que está do lado de fora, ser mais austeros nos nossos gastos, mais transparentes e se conectar diariamente com as pessoas que nós representamos. Esse é o grande desafio. E essa reconexão vai se dar quando voltamos para os nosso estado.”

Muitos dos problemas do Congresso, segundo ele, se devem à falta de uma agenda do governo, ou seja, “uma antiagenda econômica”, “antiagenda ambiental”, “antissocial”, que contamina o parlamento, que “acaba se apequenando em debates menos relevantes para a vida do povo brasileiro”.

Profunda crise social

“É preciso muita incompetência, incapacidade de gestão, insensibilidade com as dores do povo brasileiro para conseguir que, no ano da reabertura das atividades, o país tenha 15 milhões de desempregados, 20 milhões de pessoas passando fome, inflação nos produtos essenciais a 30%, a 10,5% na média e juros crescentes”, disse.

A profunda crise social, segundo ele, confirma a incapacidade do governo de Jair Bolsonaro de dar respostas. “A tendência, com a reabertura, era a estabilidade no país, queda do desemprego, da fome. Porque as atividades estão voltando. E nós, em decorrência da incompetência absoluta desse governo, vivemos processo completamente contraditório.”

Na avaliação do vice-presidente da Câmara, nada é mais importante a se tratar hoje em dia do que traçar os cuidados necessários para conter a nova variante do novo coronavírus. E a criação de mecanismos para melhorar o ambiente para a retomada da criação de empregos, para que haja comida na mesa das pessoas.

“Sou muito critico a um governo que opta apenas pelo aumento do juros para conter a inflação. Tirando o poder de compra das pessoas, nem precisa ter economista. O que é preciso é estimular o consumo, fazer com que as pessoas tenham acesso à renda, ao crédito, melhorar o ambiente de negócios para que as empresas possam voltar a produzir. O Brasil está completamente refém da ausência de uma política industrial; não há nem Ministério de Indústria e Comércio”, diz Marcelo Ramos.

Liberal desenvolvimentista

Dono de um discurso liberal que chama de “moderado”, o deputado defende que o Estado deve intervir o mínimo, porque não é gerador de riqueza. E que o orçamento público é subproduto da atividade privada. Mas deixou claro que procura sempre fugir da contradição entre responsabilidade fiscal e social.

“Não tem cabimento você ter responsabilidade social se não for para atender às demandas mais urgentes da população. Mas, por outro lado, é pura demagogia dizer que um país quebrado, mas equilibrado do ponto de vista fiscal, é capaz de atender as demandas mais urgente da sociedade. Então, o Estado tem de atuar com eficiência em saúde, educação, investimento, infraestrutura e na sustentabilidade ambiental. Por ser um homem da Amazônia, acho que isso não é uma escolha para a humanidade, mas uma imposição, porque precisamos entregar um planeta habitável para as nossas gerações futuras.”

Questionado sobre uma possível aproximação com o PT, Marcelo Ramos disse que já teve encontros com quadros importantes do partido, que o levaram a Lula. “Fui lá, conversamos sobre auxílio emergencial de R$ 600, que ele defendia. Tivemos uma conversa franca nesse sentido. Toda vez que falo com PT eu brinco: ‘quando tiver uma votação desse tipo vocês vão querer me expulsar’. Então essa relação fraterna que a gente tem hoje, a gente pode ter problema la na frente”, avalia. “Espero que Lula faça uma flexão ao centro, para que possa representar um número maior da sociedade brasileira. Não tenho nenhum preconceito contra o PT, mas não sei se me cabe.”

Preconceito com Lula

Apesar da resposta, o vice-presidente da Câmara não poupou elogios aos governos Lula. Desse modo, destacou o diálogo sempre aberto pelo petista com os setores econômicos do país. “Toda vez que eu vou a uma reunião que tem um setor muito hostil ao presidente Lula, faço uma pergunta: qual foi o período que o seu negocio mais prosperou? Não tem nenhum que não diga que foi no período Lula. Algumas pessoas têm mais preconceito do que amor ao seu próprio negócio. O cara prosperou, tá arrebentado agora, mas o preconceito dele de não admitir o operário presidente do país é maior que a responsabilidade dele com o seu negócio.”

O deputado vai esperar até fevereiro para tomar uma decisão sobre seu novo partido, mas acredita que há lutas que não são da direita ou da esquerda, mas de natureza civilizatória. “Um prato de comida na mesa, o direito ao trabalho, a um meio ambiente sustentável, os direitos humanos, isso tudo pertence a quem? Direita? esquerda? Não, são direitos civilizatórios e temos de juntar o máximo de gente em torno disso. Eu sou contra liberação do aborto e de drogas. Então por isso não posso lutar ao lado de quem luta contra contra a fome? Pelo emprego? Pelo meio ambiente? Temos de ter capacidade de buscar convergências. O que constrói convergências são pautas de natureza civilizatória, que pertence à humanidade.”

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