Entrevista

‘PDT tem de decidir quem pode mais na bancada: Arthur Lira ou Ciro Gomes’, diz deputado

Para deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE) “é o momento de a gente construir a unidade progressista para tirar Bolsonaro no primeiro turno”

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Luis Macedo/Câmara dos Deputados
"É possível que o PDT, junto com outros partidos, consiga pensar um projeto para o país longe do bolsonarismo"

São Paulo – Os desdobramentos da polêmica votação que aprovou a PEC dos Precatórios (n° 23/2021) estão longe de acabar. Os deputados federais Alessandro Molon (PSB-RJ), Marcelo Freixo (PSB-RJ), Vanderlei Macris (PSDB-SP), Fernanda Melchionna (Psol-RS), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Joice Hasselman (PSL-SP) ajuizaram ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a votação do texto aprovado na madrugada de quinta-feira (4) na Câmara dos Deputados, com manobras decisivas do presidente da Câmara, Arthur lira (PP-AL). Após a votação, Ciro Gomes, presidenciável pelo PDT, suspendeu a pré-candidatura. Em seguida, o presidente da legenda, Carlos Lupi, se manifestou pela reversão dos votos dos “rebeldes”.  

No processo de votação, parlamentares criticaram Lira por afrontar o devido processo legislativo. Isso porque permitiu o voto remoto de deputados em missão oficial relacionada à COP26, e, por outro lado, impedir a manifestação dos que não compareceram por motivos pessoais ou mesmo de saúde.

Além disso, as polêmicas envolveram a votação dos partidos de oposição PDT e PSB, ambos com expressivo número de parlamentares que seguiram os interesses do governo Bolsonaro. Dos 24 deputados da bancada do PDT, 15 votaram pelo “sim” à PEC que abre uma brecha de astronômicos R$ 90 bilhões para o governo não só criar o Auxílio Brasil, como, segundo a oposição, “comprar” parlamentares e “investir” nas eleições de 2022.


Iniciativa de Ciro Gomes de suspender candidatura pode derrubar PEC dos Precatórios


O deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE), da nova geração do partido, com 34 anos, adota posição francamente contrária ao voto governista dos correligionários. “Não faz sentido votarmos com o governo uma emenda à Constituição que abre espaço no Orçamento para esse governo usar como bem entende”, diz, em entrevista à RBA. “Nós do PDT somos oposição ao governo Bolsonaro. Isso é bem claro em nossos discursos e nossos posicionamentos na Câmara”, afirma.

“Acho que é hora de o PDT decidir quem tem mais poder diante da bancada: se é o presidente Arthur Lira ou se é o presidenciável Ciro Gomes”, defende o parlamentar pernambucano.

Para ele, a prioridade do PDT deveria ser, junto com outros partidos, pensar um projeto para o país “longe do bolsonarismo”. “Por isso, apesar de elogiar essa postura do Ciro (de suspender a pré-candidatura), eu também critico as posturas de Ciro quando ele ataca o PT, ou a própria Dilma, como fez recentemente, ou o próprio Lula. E da mesma forma, critico o PT quando faz isso conosco. Acho que é o momento de a gente construir unidade no campo progressista para tirar Bolsonaro no primeiro turno da eleição”, diz Gadêlha.

O parlamentar acredita ser possível reverter pelo menos dez votos na votação da PEC dos Precatórios em segundo turno, se ela ocorrer, já que o STF pode intervir no processo.

Leia a entrevista

Como avalia a situação criada da partir votação do PDT na sessão que aprovou a PEC dos Precatórios?

Avalio que Ciro tem sido coerente com aquilo que ele defende para o Brasil. Ciro é pré-candidato à presidência da República, como foi em 2018, como já foi antes, e sabe que precisa construir um ambiente de segurança jurídica, que o Estado tem que cumprir aquilo que a Justiça determina, que diz respeito ao pagamento de seus débitos. Nós do PDT somos oposição ao governo Bolsonaro. Isso é bem claro em nossos discursos e nossos posicionamentos na Câmara.

Lógico, sabemos que auxílios são necessários à população diante da pandemia, do desemprego. O governo pretende oferecer o Auxílio Brasil de R$ 400 até o final do próximo ano e, para isso, alega que é preciso votar a PEC, parcelar o débito que o governo tem (com precatórios) e abrir espaço no Orçamento. O que não é verdade, porque o programa tem um custo de 50 bilhões, segundo cálculos do próprio governo, e o espaço aberto é de 90 bilhões. Então abre também espaço para injetar recursos em emendas parlamentares, para se comprar a base de apoio do governo Bolsonaro. Essa é uma prática que o PDT condena e sempre denunciou. Matérias na imprensa denunciam que parlamentares – mas não do PDT – receberiam R$ 15 milhões em emendas. Tudo isso é bem preocupante, vermos uma quantidade significativa de parlamentares do PDT votando favoravelmente ao governo, a essa PEC.


Tenho certeza que 10 desses 15 (que votaram a favor da PEC) sabem da importância do projeto do partido para o país, e para isso precisam rever o voto


Não é incompreensível esse voto com o qual setores da oposição fortalecem Bolsonaro?

Pois é, isso que é complicado. O principal argumento do PDT era que o povo de fato passa por necessidade e é preciso fornecer esse auxílio. Mas a própria MP 1061 prevê a criação de créditos extraordinários e que para isso é possível se retirar de outras fontes. Em 2020, R$ 177 bilhões foram retidos no Tesouro de 29 fundos distintos. Quarenta bilhões do Fundo Social, R$ 29 bilhões de Fundo de Garantia a Exportação, R$ 23 bilhões do Fundo Nacional de Aviação Civil. Se o governo vê como prioridade o pagamento desse auxílio, poderia ver nesses fundos a possibilidade de remanejar recursos, mas não retirar um débito que o governo federal tem com professores, com milhares de pessoas nas ações judiciais.

Acha possível ou previsível a reversão de pelo menos parte dos votos do PDT a favor da PEC?

Acho que é hora de o PDT decidir quem tem mais poder diante da bancada: se é o presidente Arthur Lira ou se é o presidenciável Ciro Gomes. Diante dessa avaliação, acredito que conseguimos reverter pelo menos dez votos. Tenho certeza que pelo menos 10 desses 15 (que votaram a favor da PEC) sabem da importância da defesa do projeto do partido para o país, e para isso precisam rever o voto que deram no primeiro turno.


É possível que o PDT, com outros partidos, pense um projeto de país longe do bolsonarismo. Essa deveria ser a prioridade do PDT e, por isso, elogio essa postura do Ciro. Mas critico quando ele ataca o PT, ou a Dilma, ou o Lula


Considerando que essa votação é vital para o governo Bolsonaro e para o próprio Arthur Lira, olhando para 2022, você vê algum cenário que se possa prever? Com Lula e Bolsonaro, há espaço para se criar uma “terceira via”? A candidatura de Ciro Gomes pelo PDT pode decolar?

Eu vejo espaço para a criação de uma frente progressista. Vejo que é possível que o PDT, junto com outros partidos, consiga pensar um projeto para o país longe do bolsonarismo. Essa deveria ser a prioridade do PDT. Por isso, apesar de elogiar essa postura do Ciro, eu também critico as posturas de Ciro quando ele ataca o PT, ou a própria Dilma, como fez recentemente, o próprio Lula. E da mesma forma critico o PT quando faz isso conosco. Acho que é o momento de a gente construir unidade no campo progressista para tirar Bolsonaro no primeiro turno da eleição. Isso é possível, mas depende muito do esforço dessas lideranças para que isso se consolide.

Não acha que Ciro está queimando muitas pontes com um potencial eleitorado que se recusará a votar em um candidato que ataca o PT o tempo todo?

Ciro acredita que irá ao segundo turno com o Lula porque terá mais votos do que Bolsonaro no primeiro turno. Não precisa ser um cientista político para a gente ver que isso é impossível. As manifestações pró-Bolsonaro ainda estão vivas, não acabaram. Bolsonaro ainda tem apoio de uma parcela significativa da população. Não vejo como possibilidade o crescimento de uma terceira via, mas vejo como possibilidade a unidade do campo progressista. Por isso, é essa a tese que eu defendo.


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