Bolsonarista

Bia Kicis tenta votar PEC que reduz idade de trabalho. Centrais protestam

Para as entidades, além de agravar o desemprego, PEC 18 vai inviabilizar o “pleno desenvolvimento” dos jovens. Projeto está na pauta desta terça

TRT4
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Lei já permite trabalho de menores, mas apenas no caso de aprendizes

São Paulo – Uma proposta de 10 anos atrás, retomada pelo bloco conservador, pode ser votada nesta terça (9) na Comissão e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, presidida pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). Pelo projeto, jovens de 14 a 15 anos podem trabalhar não apenas como aprendizes, como a lei já permite, mas também em regime de tempo parcial, em qualquer atividade. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18 está incluída na pauta da CCJ amanhã, a partir as 7h.

O projeto foi apresentado em maio de 2011 pelo então deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), empresário pecuarista. Ele chegou a afirmar que se tratava não de redução, mas de ampliação de direitos, “na medida em que formaliza o trabalho daqueles que precisam trabalhar”. As centrais sindicais divulgaram nota, hoje, pedindo a rejeição da PEC 18.

“Medida que, se aprovada, vai agravar o desemprego entre os jovens e inviabilizar o seu pleno desenvolvimento cognitivo, intelectual e profissional, pois se trata de uma situação distinta do trabalho na condição de aprendiz, onde devem ser garantidas a qualificação profissional, com vivências práticas em ambiente de trabalho seguro e protegido, direitos trabalhistas e previdenciários, realização de atividades compatíveis com as suas habilidades, interesses e o acesso e frequência à escola”, afirmam.

Projeto mantido na pauta

A PEC altera item do artigo 7º da Constituição. O inciso XXXIII ficaria com a seguinte redação: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz ou sob o regime de tempo parcial, a partir de quatorze anos”.

Em agosto, o relator, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR) – originário do Movimento Brasil Livre e entusiasta da “flexibilização” –, deu parecer pela admissibilidade da PEC e de várias propostas apensadas (anexadas à principal). Na última quarta-feira (3), a oposição apresentou parecer pela retirada do projeto, mas a medida foi rejeitada na CCJ por 30 a 19. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) apresentou voto em separado.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) também é contra o projeto. “Esperamos que, no Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, declarado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, o parlamento brasileiro não promova alterações que impliquem evidente retrocesso social e frustração aos direitos fundamentais dos adolescentes (art. 227 da CF), num cenário de agravamento da vulnerabilidade socioeconômica em nosso País”, afirma o MPT.

Confira a nota das centrais.

Rejeitar a PEC 18 para proteger e assegurar pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes

O pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes é garantia essencial para que a humanidade construa um futuro melhor que o presente. Este objetivo pode ser destruído caso a PEC 18/2011 seja aprovada. Razão pela qual as Centrais Sindicais, de forma unânime e unitária, solicitam o seu voto e apoio para rejeitá-la na CCJC e no Plenário da Câmara dos Deputados, pelos motivos a seguir:

1. A situação de desemprego no Brasil é grave. Já são mais de 14,1 milhões de trabalhadores em busca de um emprego e 71,6 milhões de pessoas que trabalham sem direitos, sem carteira de trabalho assinada, de forma precária ou informal. Mais de 30% dos desempregados são jovens em idade para trabalhar, a maioria negros.

2. É inconcebível que, neste contexto, a PEC 18 busque reduzir a idade mínima para que jovens na faixa etária de 14 e 15 anos passem a trabalhar não como aprendiz, mas como empregados em tempo parcial. Medida que, se aprovada, vai agravar o desemprego entre os jovens e inviabilizar o seu pleno desenvolvimento cognitivo, intelectual e profissional, pois se trata de uma situação distinta do trabalho na condição de aprendiz, onde devem ser garantidas a qualificação profissional, com vivências práticas em ambiente de trabalho seguro e protegido, direitos trabalhistas e previdenciários, realização de atividades compatíveis com as suas habilidades, interesses e o acesso e frequência à escola.

3. A PEC 18 afronta os tratados internacionais sobre trabalho infantil da qual o Brasil é signatário, a saber a Convenção 138 e a Recomendação 146 da OIT — Organização Internacional do Trabalho. Ela reduz, ao invés de elevar, a idade mínima para a admissão a emprego ou trabalho; não observa os parâmetros estabelecidos pela OIT para definição da idade mínima para trabalhar, que deve assegurar a efetiva abolição do trabalho infantil e elevar progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem; e a idade mínima para trabalhar não deve ser inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória.

4. O trabalho infantil é uma grave violação dos direitos humanos que impede ou dificulta o desenvolvimento pleno, sadio e integral de crianças e jovens dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora, comprometendo o acesso à educação, à saúde, ao lazer e a formação profissional segura e qualificada. De acordo com o IBGE, em 2020, quase dois milhões de crianças e adolescentes foram submetidos ao trabalho infantil, sendo a imensa maioria de crianças negras, vítimas do racismo estrutural. A PEC 18 legaliza esta situação de violação do direito à infância e perpetua a desigualdade social, agravando ainda mais a 2 situação das crianças e dos jovens, já cruelmente atingidas pelo desemprego, pela carestia e pela insegurança alimentar, presente em milhões de lares no Brasil.

5. Viola literalmente o disposto no artigo 60, §4º, da CF/88, que estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir, dentre outros, os direitos e garantias individuais”. É o que a PEC 18 faz, na medida que a idade mínima para o trabalho é um direito fundamental de crianças e adolescentes que objetiva, em última análise, a proteção contra os malefícios do trabalho precoce.

6. O trabalho infantil gera diversas consequências negativas e irreversíveis para a saúde e a segurança das crianças e adolescentes envolvidos, bem como sobre seu desenvolvimento físico, intelectual, social, psicológico e moral. Entre 2007 e 2020, no Brasil, 290 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos morreram e 27.924 sofreram acidentes graves enquanto trabalhavam. No mesmo período, 46.507 meninos e meninas tiveram algum tipo de agravo de saúde em função do trabalho. A redução da idade para o trabalho, possibilitando que adolescentes com 14 anos de idade possam trabalhar como empregados em geral, coloca em risco a sua saúde física e psíquica, incluindo a possibilidade de ocorrência de acidentes do trabalho.

7. Segundo estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 1,1 milhão de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil, sendo que o trabalho infantil está entre os principais motivos de adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos não frequentarem a escola. O trabalho precoce, mesmo em tempo parcial, afeta diretamente a frequência na escola, bem como a progressão dos estudos para a conclusão da educação básica na idade certa, na medida em que impede que o adolescente se dedique plenamente aos estudos, incluindo o tempo em sala de aula e o tempo destinado às tarefas escolares.

8. Colocar adolescentes com 14 anos de idade no mercado de trabalho, sob o fundamento de que precisariam trabalhar, implica em subverter o papel constitucionalmente atribuído à família, à sociedade e ao Estado, a quem incumbe, com absoluta prioridade, em atenção à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, o dever de assegurar as condições materiais, afetivas, sociais e psicológicas necessárias ao acesso e à proteção ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Cf. Art. 227 da CF).

9. A PEC 18/2011, longe de ser a resposta para a vulnerabilidade social, acaba por contribuir diretamente para o incremento da exclusão social e marginalização, pois compromete os rendimentos futuros dos jovens, acarretando reprodução do ciclo da pobreza. Além disso, a inserção de adolescentes precocemente no trabalho vai impactar negativamente a ocupação de trabalhos hoje realizados por adultos, levando a um maior desemprego deste último grupo, sobretudo da população mais jovem, de 18 a 24 anos de idade.

10. As crianças e adolescentes são vítimas do esfacelamento dos direitos sociais que hoje ocorre no Brasil. Foram reduzidas as fiscalizações e o combate ao trabalho infantil; não há diagnósticos e orientações efetivas para a eliminação do trabalho infantil, para assegurar o respeito às convenções internacionais subscritas pelo Brasil; prevalece o descaso com o plano nacional de erradicação do trabalho infantil e com as metas da 3 Agenda 2030 do desenvolvimento sustentável, que prevê acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas até 2025. Neste contexto, apelamos para que os parlamentares se posicionem pela rejeição da PEC 18/2011 na CCJC ou no Plenário da Câmara dos Deputados.

São Paulo, 08 de novembro de 2021.

Assinam a nota

  • Sérgio Nobre, Presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores)
  • Miguel Torres, Presidente da Força Sindical
  • Ricardo Patah, Presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)
  • Adilson Araújo, Presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
  • José Reginaldo Inácio, Presidente da NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores)
  • Antonio Neto, Presidente da CSB, (Central dos Sindicatos Brasileiros)
  • Atnágoras Lopes, Secretário Executivo Nacional da CSP-Conlutas
  • Edson Carneiro Índio, Secretário-geral da Intersindical (Central da Classe Trabalhadora)
  • José Gozze, Presidente da Pública, Central do Servidor
  • Emanuel Melato, Intersindical Instrumento de Luta