CRIMINALIZAÇÃO DA FOME

MP pede condenação de homens por furto de alimentos vencidos que iriam para o lixo

Justiça absolveu os dois homens, em fevereiro, mas promotor recorreu. “Tristes tempos em que lixo (alimento vencido) tem valor econômico”, contestou o defensor público do caso

AGÊNCIA BRASIL
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O magistrado que absolveu os réus aponta que os produtos custavam, ao todo, cerca de R$ 50

São Paulo – A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul tenta manter a absolvição de dois homens acusados pelo furto de alimentos vencidos após o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) recorrer da decisão de primeira instância e pedir novamente a condenação. O caso ocorreu em 2019 e foi remetido para a segunda instância em outubro deste ano.

A dupla pegou os alimentos vencidos em uma área restrita de descarte de um supermercado de Uruguaiana, na Fronteira Oeste. Os produtos retirados foram fatias de queijo, calabresa e presunto e cinco unidades de bacon, que estavam separados para trituração e descarte.

Os acusados foram absolvidos, no julgamento em primeiro grau, em fevereiro deste ano. A decisão do juiz André Atalla, da 1ª Vara Criminal, considerou não existir “justa causa” no processo e afirmou que há “inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da suposta lesão provocada”.

O Ministério Público, por meio do promotor Luiz Antônio Barbará Dias, recorreu da decisão, pedindo a condenação dos homens e argumentaram que não punir o furto de alimentos vencidos seria um “combustível à impunidade”. Na última segunda-feira (25), o defensor público Marco Antonio Kaufmann apresentou as contrarrazões da apelação feita pelo MP.

“Tristes tempos em que lixo (alimento vencido) tem valor econômico. Nesse contexto, se a mera leitura da ocorrência policial não for suficiente para o improvimento do recurso, nada mais importa dizer”, criticou o defensor público, que pede a manutenção da absolvição dos acusados.

Criminalização da pobreza

O magistrado que absolveu os réus aponta que os produtos custavam, ao todo, cerca de R$ 50. Os itens já haviam vencido e estavam no local onde seriam triturados e descartados pelo estabelecimento. Ele destaca ainda que os alimentos foram restituídos ao proprietário.

Nas redes sociais, a ação do MP-RS foi criticada e chocou diversas personalidades do meio jurídico. O advogado Marcelo Feller defendeu que o promotor que busca criminalizar quem come comida vencida deveria ser internamente punido.

“A lei de abuso de autoridade permite a punição daquele que instaura procedimento sem justa causa. Só é preciso vontade institucional. E adiantando: Não me convencerão que a criminalização do faminto que revira lixo está dentro da autonomia do membro”, disse, em sua conta do Twitter.

A jornalista Cecília Oliveira apontou que o caso reflete no perfil da Justiça brasileira. “O que passa na cabeça de uma pessoa que ganha R$ 30 mil e pede a condenação de uma pessoa miserável que estava furtando comida vencida que ia pro lixo? Lembremos que isso não é caso isolado. É a estrutura do sistema de ‘justiça’ que decide sobre a vida de milhares todos os dias”, questionou.

A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) classificou o caso como “criminalização da pobreza”. “Não é tolerável que pessoas sejam condenadas por furto por terem recolhido comida do LIXO! Comida vencida e q seria descartada. Não é aceitável. É pura criminalização da pobreza e da fome”, afirmou, em seu perfil no Twitter.