Panorama

Fim da CPI pode dar ‘fôlego’ a Bolsonaro, mas não o suficiente, comenta analista

Para Cláudio Couto (FGV), presidente se equilibra entre o radicalismo e o recolhimento, em conjuntura marcada pela alta da inflação, da fome e do desemprego

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR
Bolsonaro desmereceu o relatório final da CPI da Covid durante evento no Ceará

São Paulo – De acordo com o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, o relatório final da CPI da Covid, apresentado ontem (20), atendeu as expectativas de quem sofreu as consequências da má gestão da pandemia pelo governo. Os trabalhos revelaram uma série de crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro, por integrantes do seu governo e também por agentes privados. Nesse sentido, a conclusão da CPI na semana que vem, após a votação do relatório, deve garantir certo “fôlego” a Bolsonaro. Mas, ainda assim, segundo Couto, não deve ser suficiente para reerguer sua popularidade.

Além do crimes cometidos durante a pandemia, o analista cita a alta da inflação, a volta fome e o desemprego como principais complicadores. Encurralado, o governo aposta suas fichas no chamado Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. Mas ainda não há consenso sobre o valor do benefício, nem sobre a origem desses recursos.

“Se for listar todos os problemas desse governo, a gente não termina hoje”, disse Couto, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (21). “Tudo isso faz com que esse respiro não seja suficiente para dar fôlego ao governo diante de todos esses problemas”, acrescentou.

Genocida

Ainda sobre a CPI e Bolsonaro, Couto atribuiu a “questões estratégicas” a exclusão da tipificação de genocídio contra indígenas do relatório final. Corroborando posicionamento da jurista Sylvia Steiner, que também disse ser difícil estabelecer a tipificação desse crime. “No debate público, virou um termo de carga retórica. Usamos genocídio para se referir a esse morticínio que o governo de fato promoveu no que diz respeito à gestão da pandemia”, explicou.

Por outro lado, todo o conjunto de políticas anti-indígenas levada a cabo pelo atual governo – como o fim das demarcações e o estímulo a invasões dos territórios indígenas por grileiros e garimpeiros – podem configurar, sim, a prática de genocídio. O especialista sugere uma CPI específica para tratar desse conjunto de ações de Bolsonaro contra os povos tradicionais.

Entre o silêncio e o radicalismo

Pesquisa PoderData divulgada na semana passada apontou queda de cinco pontos percentuais na reprovação (de 63% para 58%) à gestão de Bolsonaro. Por outro lado, a sua aprovação oscilou dentro da margem de erro. Para Couto, essa “despiora” na avaliação de Bolsonaro decorre do seu recolhimento após o que chamou de “7 de setembro fascista”. Depois da carta escrita pelo ex-presidente Temer em que Bolsonaro se desculpava, em partes, pelas agressões contra o STF, os ataques cessaram.

“A poeira baixou, ele ficou mais quieto e as pessoas percebem menos o quanto ele é nefasto. Consequentemente, sua avaliação despiora”, disse o analista. Na medida em que se sentir confortável, como já vem demonstrando, e voltar ao ataque, tende a sofrer um desgaste considerável. É uma questão de tempo”.

Além disso, Couto chama a atenção que, apesar da suposta moderação de Bolsonaro, seus seguidores de extrema-direita continuam ativos, nas ruas e nas redes sociais. Ele chamou a atenção para a ação violenta de neonazistas que invadiram a Câmara Municipal de Porto Alegre nesta quarta (20) para protestar contra a exigência do passaporte da vacina. O grupo de cerca de 40 pessoas portava inclusive cartazes com suásticas, numa demonstração de ousadia e desinibição.

“Neonazismo e neofascismo são sempre preocupantes. E a gente já tem um neofascista na presidência, ele dá sinais disso constantemente. É preciso ter posições muito duras contra esse tipo de situação. É o ovo da serpente. Se a gente deixa chocar e a serpente cresce e nos pica. É preciso punir com toda a severidade que a lei permite aqueles que vão a público com símbolos nazistas como forma de propaganda”, destacou o analista.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira – Edição: Helder Lima