Democracia reage a golpe

STF bloqueia contas de suspeitos de financiar atos antidemocráticos

Ministro Alexandre de Moraes também determinou prisão preventiva de ex-PM de MG e de “professor” que o ameaçaram de morte nas redes sociais

Reprodução/Twitter
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Golpistas estendem faixa com grave ataque à democracia nesta segunda-feira, na Praça dos Três Poderes, em Brasília

São Paulo – As manifestações de extrema direita incentivadas por Jair Bolsonaro e seu governo acontecem em um contexto de fracasso econômico, perda de apoio popular e, hoje, chance remota de se reeleger. Um cerco implacável por uma conjunção de forças do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Procuradoria Geral da República (PGR) tem mandado agitadores bolsonaristas e golpistas à cadeia.

Nesta segunda-feira, a pedido da PGR, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva do ex-PM de Minas Gerais Cássio Rodrigues Costa Souza. O ex-PM fez em redes sociais ameaças de morte a Moraes e sua família. O “professor” Marcio Giovani Niquelatti, segundo o qual haveria recompensa pela “cabeça” do ministro do STF “vivo ou morto”, também teve pedido de prisão. Moraes ainda ordenou operação de busca e apreensão em propriedades de Gilmar João Alba, prefeito de Cerro Grande do Sul (RS) flagrado no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com R$ 505 mil na bagagem.

O agro que é golpe

Mais do que isso, o ministro do STF determinou bloqueio de contas bancárias da Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja) e da unidade da entidade em Mato Grosso (Aprosoja-MT). A associação é investigada por financiar manifestações extremistas e ataques contra a democracia. Há indícios de que as manifestações bolsonaristas contarão com apoio maciço dos chamados CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) e de religiosos. Ou seja, não apenas apoio político, mas também financeiro.

Na decisão, Moraes diz que, por incentivo de Bolsonaro, Aprosoja e Aprosoja-MT utilizariam “fundos (Fethab e Iagro) compostos por recursos públicos, os quais, segundo documento dos autos, não possuem maior transparência nem têm sido destinados para suas finalidades originárias, mas, sim, como capital para o financiamento de agentes para a realização das condutas antidemocráticas”.

De acordo com a decisão do ministro do STF sobre as associações de soja, todos os valores transferidos a partir das contas bancárias dessas para outras entidades ou terceiros (doc, Ted, PIX ou outras) a partir de dia 10 de agosto devem ser identificados e informados.



Popularidade despenca

Nova pesquisa do Atlas político mostra que avaliação da gestão é ruim ou péssima para 61,2% da população. Apenas 23,9%, o avaliam como ótimo ou bom e 13,5% consideram a gestão regular. Além disso, a pesquisa indica um cenário eleitoral desastroso para o atual mandatário. Isso porque Bolsonaro perde no segundo turno para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Luiz Henrique Mandetta ou João Doria. Não tem apoio majoritário dos setores econômicos – o que se reflete em dificuldades no Congresso – e sofre pressão de setores da economia.

Para o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP, Bolsonaro tenta neste 7 de setembro reeditar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, movimento golpista surgido em março de 1964 que promovia manifestações contra o “comunismo” e o governo de João Goulart.

O presidente, como avalia Ariel, quer demonstrar que tem apoio popular e convencer militares de que não está isolado. Com isso, tentar pressionar as Forças Armadas para que participem de um processo de golpe, já que sua reeleição fica a cada dia mais remota. “Esse clima gera muita apreensão a todos os que lutaram pela democracia”, diz o advogado.

Um “mau militar

Historicamente, Bolsonaro não é “dos mais confiáveis” nas Forças Armadas, lembra o jurista, tendo sido “tirado” da comunidade militar por descumprir regras de hierarquia e disciplina. Por exemplo, foi classificado pelo general e ex-presidente Ernesto Geisel como “mau militar”. O “capitão” não goza de simpatia entre as cúpulas, mas tem apoio entre os militares de baixa patente e policiais militares. “Hoje, ele atua para incentivar uma intervenção militar. Mas, se viesse a acontecer uma intervenção, haveria mais chance de ser para colocar o vice (Hamilton Mourão) no poder do que ele mesmo”, observa.

A avaliação é a mesma do jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Eu acho que as Forças Armadas não legitimariam uma atitude de força de Bolsonaro em hipótese nenhuma. Se tiver golpe, vai ser contra ele, não a favor”, afirmou à RBA. O jornalista, porém, considera as manifestações preocupantes, pelos altos investimentos. Mas também pela esperada participação em massa de colecionadores de armas beneficiados pela ampliação de porte e posse de armamentos por decretos do governo.

Segundo Ariel , Bolsonaro tenta capitalizar apoio de parcelas de policiais militares para tentar insuflar motins contra os governadores, não necessariamente no 7 de setembro. “Esperamos que isso não apareça amanhã”, diz. Na sua opinião, apoiadores que se armaram nos últimos anos e o incentivo a motins das PMs são tentativa de semear instabilidade a médio prazo. Assim, tumultos, motins e situações de guerra civil seriam pretextos para justificar uma intervenção militarizada, usando as Forças Armadas para “apaziguar” o país.