Vergonha alheia

‘O mundo não espera mais nada de Bolsonaro’, diz professor sobre discurso na ONU

Para Giorgio Romano Schutte, da UFABC, há muitas coisas importantes para o mundo debater e “ninguém está interessado no que Bolsonaro vai dizer”

Reprodução/Twitter/Ministro Eduardo Ramos
Reprodução/Twitter/Ministro Eduardo Ramos
Bolsonaro e sua comitiva, com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, comendo pizza na calçada em Nova York

São Paulo – Nesta terça-feira (21), um chefe de governo brasileiro discursa na abertura da 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, como ocorre tradicionalmente desde 1955. Mas o que Bolsonaro vai dizer ou deixar de dizer na ONU pouco importa aos principais líderes do mundo, na opinião de Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). Segundo ele, o mundo não espera mais nada de Bolsonaro. “Se antes havia uma expectativa e uma curiosidade, agora todo mundo já formou opinião, de que é uma carta fora do baralho”, diz.

Para Giorgio Romano, se há um interesse grande, e justificado, pelo Brasil – pela importância do país –, politicamente há no mínimo indiferença pelo atual presidente. “Ninguém vai acreditar se ele disser que o Brasil é ‘campeão do meio ambiente’, por exemplo.”

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No ano passado, a assembleia foi realizada virtualmente, devido à grave crise sanitária global. Jair Bolsonaro “analisou” a conjuntura em meio à pandemia dizendo que, “como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população, sob o lema ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’”. Também defendeu a liberdade religiosa e o combate à “cristofobia”. Comentou os catastróficos incêndios na Amazônia e no Pantanal dizendo que o Brasil era vítima de uma “campanha brutal” de desinformação com “interesses” escusos.

Expectativas de mais mentiras

Antes, em 2019, com pouco menos de nove meses de mandato e cerca de três meses antes do primeiro caso de covid-19 confirmado oficialmente na China, Jair Bolsonaro fez o discurso na Assembleia Geral da ONU louvando a si mesmo, como o salvador que livrou o Brasil do pior dos males. “Meu país esteve muito próximo do socialismo”, disse. Ilustrou com “um acordo (de 2013) entre o governo petista e a ditadura cubana (que) trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional”, em referência ao exitoso programa Mais Médicos, implementado pelo governo Dilma Rousseff.

Assim, em 2021, o mandatário brasileiro já chegou a Nova York protagonizando um episódio que deveria ser vexaminoso para o presidente de uma das maiores democracias do mundo. Mas para ele parece natural: como restaurantes na cidade não permitem refeições em ambientes internos de pessoas que não estejam vacinadas contra covid-19, ele e sua comitiva – incluindo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga – comeram pizza na calçada de um estabelecimento na noite de domingo. Depois disso, o constrangimento se repetiu no almoço de hoje, também do lado de fora de uma churrascaria. Isso porque Bolsonaro se recusa a tomar vacina.

No discurso, ele deverá abordar a questão ambiental e a vacinação contra a covid, que – segundo o presidente e o próprio Queiroga – é um sucesso. Portanto, a expectativa é de que minta mais uma vez. Promete fazer críticas, veladas ou diretas, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao marco temporal, tese defendida pelo agronegócio, cujo julgamento está suspenso na corte com empate em 1 a 1 até o momento.

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Isolamento

“O que eu devo falar lá? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado, se tivermos que demarcar novas terras indígenas, hoje em dia temos aproximadamente 13% do território nacional demarcado como terra indígena já consolidada. Caso tenha-se que levar em conta um novo marco temporal, essa área vai dobrar”, disse a apoiadores antes de embarcar. Não apresentou nenhuma prova do que disse.

Mais isolado após a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, Bolsonaro só tem reuniões agendadas com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o ultradireitista presidente da Polônia, Andrzej Duda. “Há muitas coisas acontecendo no mundo que vão ocupar espaço nessa Assembleia Geral”, diz Giorgio. Entre elas, o problema do Afeganistão, a pandemia de covid e a crise envolvendo França, de um lado, e EUA e Inglaterra de outro, após anúncio – pelos norte-americanos e ingleses – de parceria para fornecer submarinos nucleares à Austrália. Descartada inesperadamente do negócio, na sexta-feira (17) a França chamou os embaixadores em Washington e Camberra (capital australiana) para consultas.

“Tem muita expectativa pelas falas de Biden (em seguida à de Bolsonaro), de (Emmanuel) Macron, a questão do clima. Ninguém está interessado no que Bolsonaro vai dizer. Não há nenhuma relevância para o mundo”, reitera o professor da UFABC. Apesar disso, o fiel ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, parece acreditar no contrário. “A mensagem que o Brasil dará na Assembleia-Geral da ONU é aguardada por milhões de pessoas em todo o mundo”, escreveu no Twitter.

“O que o brasileiro vai falar é para o público interno”, diz Giorgio Romano. Ou seja, Bolsonaro deve mais uma vez usar a ONU para produzir conteúdo para as redes bolsonaristas. “E ainda tem o ano que vem”, lamenta o professor.


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