Sem acesso

Transparência pública? Governo opta por sigilo para não divulgar informações

Autoridades têm optado por decretar sigilo em vez de prestar informações, como no caso Pazuello

Reprodução
Reprodução

São Paulo – Logo no primeiro mês de gestão, em janeiro de 2019, o atual governo mudou as regras da Lei de Acesso à Informação (LAI), que está prestes a completar 10 anos. O Decreto 9.690 causou preocupação de imediato, ao ampliar o número de pessoas da administração aptas a decidir sobre sigilo de dados públicos. A medida, assim, caminhou na contramão da pretendida transparência, explorando brechas na lei. E o receio vem se confirmando, com seguidas decretações de sigilo por parte do governo, sobre os temas mais variados.

Um dos casos mais rumorosos envolveu o ex-ministro e general Eduardo Pazuello. No início de junho, o Comando do Exército decidiu não punir o militar pela participação em ato político de apoio ao presidente. Além disso, arquivou o processo, que deverá permanecer em sigilo por 100 anos. Assim, pelo menos duas gerações ficarão sem acesso ao caso. Segundo o Exército, não existe “interesse público” na questão.

CPI da Covid

Nesta semana, o Ministério da Saúde tentou impor sigilo a documentos entregues à CPI da Covid no Senado a respeito da aquisição de vacinas da Covaxin. Mais uma vez, de 100 anos. Mas na última quinta-feira (12) a própria CPI anulou a medida, afirmando que houve decisão arbitrária de um servidor que não teria prerrogativa para isso. Também foi imposto sigilo – menor, de 10 anos – para documentos de um segundo contrato com a Pfizer para compra de vacinas.

Na semana que passou, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou liminar ao tenente-coronel da reserva do Exército Hélcio Almeida, contra ato da presidência da CPI, que autorizou quebra de seu sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático (junção de telefonia e informática). Ele teria participado de negociações com o Ministério da Saúde, como intermediário para compra de vacinas. A ministra entendeu que a Constituição dá às CPIs poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, entre outros.

Cartão secreto

A onda sigilosa chegou até ao Palácio do Planalto. De acordo com reportagem da revista Época, foi decretado sigilo – novamente, de 100 anos – do próprio cartão da vacinação do presidente da República. A assessoria presidencial disse que esses dados referem-se “à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem”.

Essas restrições atingiram, inclusive, a agenda do presidente. De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, desde o ano passado pelo menos oito pedidos feitos pela Câmara para saber se houve acesso de lobistas à residência oficial foram negados. A Presidência argumentou que essas informações poderiam pôr em risco a segurança do mandatário e de sua família.

Quanto custou?

Até cachê artístico virou assunto secreto. O governo impôs sigilo sobre o valor pago pela Caixa Econômica Federal ao locutor de rodeios Andraus Araújo de Lima, conhecido como Cuiabano Lima. Amigo do presidente, ele protagonizou campanha do auxílio emergencial. O contrato de uso de imagem “prevê o caráter sigiloso”, disse o banco ao site Brasil de Fato. A mesma informação foi transmitida ao portal Congresso em Foco.

Até mesmo um midiático caso policial foi posto sob a malha do sigilo. A Polícia Civil de Goiás impôs sigilo de cinco anos às informações sobre a operação que resultou na morte do criminoso Lázaro Barbosa. O Correio Braziliense solicitou dados sobre despesas e pessoal, mas foi informado que essas informações estão em caráter reservado. A divulgação, segundo as autoridades, colocaria a instituição em risco.

Assinado pelo presidente em exercício, o vice Hamilton Mourão, e o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o Decreto 9.690/2019 define, por exemplo, quem pode usar a classificação “ultrassecreta” para dados considerados estratégicos. “Esse decreto, além de ir contra o princípio da Lei de Transparência, está contrariando a promessa do governo. Confesso que não entendi o motivo”, disse ao Correio o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.


Leia também


Últimas notícias