Teatro de guerra

Forças Armadas não deveriam se prestar a ‘bravatas’ de Bolsonaro, critica jurista

Segundo Luciana Boiteux (UFRJ), ocupante do Palácio do Planalto instrumentaliza os militares para coagir a Câmara a aprovar o voto impresso

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Circo dos militares é uma "dia lamentável para a democracia", pontuou a jurista

São Paulo – De acordo com a professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux, o desfile militar realizado nesta terça-feira (10) em Brasília é uma ameaça simbólica à democracia. Isso porque ocorre no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve votar a proposta do voto impresso, bandeira defendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Nesse sentido, ela afirma se tratar de uma tentativa de demonstração de força do presidente Bolsonaro, e as Forças Armadas, como instituições de Estado, não deveriam participar de encenações desse tipo.

“Sabemos que é o jeito de Bolsonaro, que não surpreende mais. Mas nem por isso dá para deixar de repudiar essa ligação com uma votação importante na qual ele está apostando suas fichas. Sabe que vai perder e, mesmo assim, manifesta seu descontentamento instrumentalizando os militares. As Forças Armadas não deveriam se prestar a esse papel”, afirmou a jurista em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual.

Luciana defende, inclusive, que tanto os comandantes das Forças Armadas, como o próprio Bolsonaro, deveriam ser investigados pelo episódio. A tentativa de coagir os deputados poderia ser tipificada como crime contra a Lei de Segurança Nacional. “Ele está se achando fraco, por isso busca uma demonstração de força. Um dia lamentável para a democracia”, declarou.

República sitiada

Além dos blindados militares, Luciana avalia que Bolsonaro vem sendo protegido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O primeiro impede que avancem os processos de impeachment, de olho nas verbas a serem distribuídas aos parlamentares do Centrão. O segundo teria a atribuição de apresentar denúncias contra o presidente, mas “é omisso da cabeça aos pés”. Essa lógica de cooptação acabaria fragilizando a autonomia entre os poderes, colocando em risco o sistema de freios e contrapesos.

“Nesse momento, nas altas rodas e cargos estratégicos de Brasília, a aliança com Bolsonaro é mais forte que o próprio compromisso com suas funções e com a própria democracia. O que está acontecendo hoje no Brasil é uma quebra dessa lógica constitucional do autocontrole entre poderes”, destacou a jurista.

Bolsonaro investigado

Diante da inação de Lira e Aras, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentar conter os ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encaminhou notícia-crime ao STF, pedindo que o chefe do Executivo seja investigado por divulgação de dados sigilosos. O caso refere-se a inquérito da Polícia Federal sobre ataque hacker ao TSE em 2018. Essa notícia-crime deverá ser analisada no âmbito do inquérito das Fake News, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Para a professora da UFRJ, trata-se de uma espécie de “atalho” com o objetivo de contornar a blindagem oferecida por Aras. “É um atalho para incluir peças atuais dentro de um inquérito já em andamento. Justamente para evitar depender da Procuradoria-Geral da República. A estratégia jurídica é pegar elementos que, em tese, estão vinculados a inquéritos anteriores, para poder seguir nas investigações”. Além disso, Luciana afirma que a quebra de sigilo do inquérito por Bolsonaro é inquestionável.

Distritão

Com as atenções voltadas para o teatro de Bolsonaro e os militares, a comissão especial da Câmara dos Deputados sobre mudanças nas regras eleitorais (PEC 125/11) aprovou, na noite desta segunda-feira (10), o texto da relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP). A princípio, a proposta deveria tratar do adiamento das eleições em datas próximas a feriados. Mas a relatora incluiu diversos “jabutis”, como são chamadas a inclusão de temas alheios ao projeto original.

A principal mudança foi a aprovação do chamado Distritão, que acaba com as eleições proporcionais para os cargos de deputados federais e estaduais nas próximas eleições. Esse novo modelo deve privilegiar os políticos com mandato, além de celebridades e outras figuras conhecidas. Além de enfraquecer os próprios partidos, o fim do voto proporcional também deve prejudicar candidaturas de mulheres, negros e minorias.

Trata-se de mais uma “boiada” legislativa, de acordo com Luciana. “O Legislativo está avançando, especialmente, em projetos polêmicos, com reduzido debate público. Os deputados estão se sentido à vontade para aprovar um pacote de tamanha importância para a democracia brasileira. Com esse tipo de votação acontecendo sempre em horários tardios”.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira – Edição: Helder Lima


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