Análise

Depoente que abusa do direito de ficar calado em CPI pode ser preso em flagrante, diz Eugênio Aragão

Mas decisão é difícil. Há uma linha “tênue” entre o dever de testemunhar e o direito de não se auto-acusar. A mentira comprovada no ato do depoimento justificaria a prisão, explica ex-ministro

Jefferson Rudy/Ag. Senado - Gil Ferreira/Ag. CNJ
Jefferson Rudy/Ag. Senado - Gil Ferreira/Ag. CNJ
Francisco Maximiano respondeu a quase tudo evocando o direito de não responder. “A prisão dentro da fase investigatória não é uma sanção, uma punição. É cautelar", explica ex-ministro.

São Paulo – Até que ponto, juridicamente, vai o direito de um depoente de ficar em silêncio diante de inquirições na CPI da Covid ou em qualquer outra? Como fizeram outros depoentes, o empresário Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, se recusou sistematicamente a responder questões dos senadores na oitiva desta quinta-feira (19). Ele depôs protegido por habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-ministro da Justiça e advogado Eugênio Aragão explica que, em tese, a prisão do depoente é possível, mesmo respaldado pela decisão do STF. “Mas há uma linha muito tênue entre o dever de testemunhar e o direito de não se autoacusar. Porque o depoente pode ser obrigado a falar o que sabe sobre coisas que não o autoincriminam, que dizem respeito a outras pessoas. E, ao mesmo tempo, tem o direito de ficar calado em relação ao que o autoincrimina”, explica.

Em outras palavras, é “muito sutil” e subjetivo determinar até que ponto uma resposta sobre um terceiro vai ou não incriminar o depoente. “Isso depende de uma análise caso a caso.” Mas o abuso do depoente não seria um desrespeito à instituição da CPI? “A prisão dentro da fase investigatória não é uma sanção. Não pode ser uma punição, do tipo ‘ele está nos desrespeitando, nos fazendo de palhaços, então vamos prender’. Isso seria uma má compreensão do instituto dessa prisão, que é uma medida de caráter cautelar, processual.”

Decisão difícil

A prisão de um depoente como Francisco Maximiano, que respondeu a quase tudo evocando o direito de não responder, em tese pode ocorrer, na opinião de Aragão. Por exemplo, se o depoente mentir e uma informação documental, por vídeo ou outra forma comprovar essa mentira. “Nesse caso, pode ser decretada a prisão em flagrante. O sujeito é preso, vai ser interrogado, o processo é aberto e depois um juiz de garantias vai decidir se mantém a prisão”, diz o ex-ministro.

O juiz de garantias é responsável pelo controle de legalidade da investigação e da salvaguarda de direitos constitucionais. Ele decide se vai manter a prisão ou se vai soltar o preso, mediante fiança ou sem fiança. Pode também adotar  medidas alternativas, como tornozeleira eletrônica, por exemplo.

Abuso do direto ao silêncio

O dono da Precisa irritou a CPI da Covid por abusar do direito de ficar em silêncio. Soraya Thronicke (PSL-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sugeriram a prisão do empresário. “O que exige tomada de providência é que o depoente claramente mentiu” disse o parlamentar.

Por sua vez, Soraya discordou da proposta de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, de consultar o STF sobre o procedimento a adotar. “Presidente – disse a senadora, dirigindo-se a Omar Aziz (PSD-AM) –. parece-me que o ministro Fux deixou margem pra prisão do depoente que abusar do direito de ficar calado.”  Ela citou trecho da decisão de do presidente do Supremo, ao analisar o caso da funcionária da mesma Precisa Emanuela Medrades. Nela, Fux diz que, no caso de abuso do exercício do direito de não-incriminação, “dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis”. Aziz hesitou. “Subjetividade é difícil. É muito difícil para eu saber. Eu não sei o que o incrimina ou não.”



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