"Esquema escabroso"

CPI da Covid vê ‘arquitetura do crime’ em depoimento de lobista da Precisa

Comissão mostra mensagens entre José Ricardo Santana e dono da Precisa Medicamentos que, segundo senador, é um roteiro de como fraudar uma licitação

Jefferson Rudy/Edilson Rodrigues - Agência Senado
Jefferson Rudy/Edilson Rodrigues - Agência Senado
Aziz sugeriu que o depoente tomou um 'boa noite cinderela'. Depoimento revelou esquema “escabroso”, disse Renan

São Paulo – Ex-secretário executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), José Ricardo Santana entrou na sessão da CPI da Covid na manhã desta quinta-feira como testemunha e saiu como investigado. Ele já começou o depoimento se recusando ao compromisso de falar a verdade, respaldado por habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que deu-lhe o direito de não responder ao que pudesse incriminá-lo. Dizia não se lembrar de nada e ficou em silêncio quando se sentiu ameaçado. Mas foi inevitável ser colocado pelos senadores no coração do “escabroso” esquema de corrupção envolvendo a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde, de acordo com o termo utilizado pelo relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL).

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mostrou mensagens trocadas entre Santana e outros personagens centrais do esquema, revelando o que classificou como a verdadeira “arquitetura do crime”. A principal delas, de 4 de junho de 2020, era do dono da Precisa, Francisco Maximiano, para o advogado Marconny Albernaz Faria, que segundo a CPI trabalhava como lobbista da empresa. A mensagem, de acordo com o senador, era para ser encaminhada a Ricardo Santana, para que este a repassasse a Roberto Dias – chamado por todos de Bob –, então diretor de Logística do Ministério da Saúde, o único até aqui preso por ordem da comissão. A comunicação tem o seguinte cabeçalho: “Essa é a arquitetura ideal para prosseguir” (veja imagem abaixo).

“A operação vazou?”

Também apoiado por informações em poder da CPI, Randolfe citou a operação Falso Negativo, do Ministério Público, de 2 julho de 2020, para apurar fraudes em comercialização de testes rápidos ao governo do Distrito Federal. Mensagens entre Marconny e Maximiano, pouco depois das 5h da manhã daquela data, mostram que eles souberam da operação antecipadamente. “A operação vazou?”, perguntou Marconny a Maximiano, segundo a comunicação revelada pelo senador. Às 9h16, Ricardo Santana enviou a Marconny uma matéria do site O Antagonista sobre a Falso Negativo, de acordo com Randolfe. Marconny respondeu dizendo já ter sido informado por “Max”.

Além de intermediária na negociação da vacina Covaxin junto ao Ministério da Saúde, a Precisa Medicamentos é investigada no âmbito da operação Falso Negativo. “Quem vazou? Que poder é esse que tem o senhor. Maximiano?”, questionou Randolfe sobre o fato de o presidente da Precisa e Marconny saberem da operação antes de ser deflagrada.

Santana participou do famoso chopp do happy hour no dia 25 de fevereiro, quando Roberto Dias teria pedido propina em negociação para a compra de vacinas. O depoente disse ter trabalhado sem remuneração no Ministério da Saúde, após pedir demissão da Anvisa em 23 de março. Os senadores consideram a informação inverossímil. Ele afirmou ter ido para a pasta então comandada por Eduardo Pazuello a convite de Roberto Dias, o Bob. Para a CPI, segundo Randolfe, Santana e Marconny teriam se conhecido na casa de Karina Kufa, advogada do presidente Jair Bolsonaro.

“Boa noite Cinderela”

Ricardo Santana usou o direito de ficar calado em questões que o pudessem autoincriminar-se e abusou de supostos esquecimentos. Dizia não se lembrar das questões, embora colocado diante de evidências. Mas em determinado momento, o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), sugeriu que o depoente ligado à Precisa Medicamentos teria tomado um “boa noite cinderela”. Assim, referiu-se ao drinque utilizado em festas por golpistas que misturam drogas para desorientar as vítimas e cometer furtos ou crimes mais graves.

Em outro momento, o senador protagonizou outro diálogo cômico com o depoente.

– Quando o sr. percebeu que se esquece das coisas, senhor José Ricardo?
– Senador, senadora – hesitou o depoente. Aziz cortou:
– Porque é o seguinte, o seu caso não é o caso nem da CPI, é um caso médico, porque o senhor não lembra de nada!

Na inquirição inicial, Renan Calheiros ficou perplexo com a “falta de memória” de Santana, que dizia não se lembrar até de fatos documentados em vídeo. E disparou: “Vossa senhoria está tendo uma acareação com o seu próprio áudio!”

Imagem da “arquitetura do crime”