Instituições reagem

Análise: Bolsonaro ameaça, mas não tem apoio da sociedade para o golpe

‘Golpe tem consenso, apoio da sociedade, da grande imprensa, dos EUA. Eles não têm nada disso”, diz Wadih Damous. “Faria Lima já deu os sinais de que não admite mudanças nas regras do jogo, e a Casa Grande é decisiva”, afirma Roberto Amaral

Edilson Rodrigues/Ag. Senado-Alan Santos/PR -Arquivo Pessoal/Reprodução
Edilson Rodrigues/Ag. Senado-Alan Santos/PR -Arquivo Pessoal/Reprodução
Ex-presidente da OAB e ex-dirigente do PSB não veem possibilidade de êxito de Bolsonaro em sanha golpista

São Paulo – O desfile militar que Jair Bolsonaro promete para esta terça (10) – quando provavelmente a Câmara decidirá sobre o chamado “voto impresso” – é classificado no meio político como provocação, ameaça à democracia, possível tentativa de golpe e até sinal de fraqueza. Mas, para o ex-deputado federal e ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro Wadih Damous, e o cientista político Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, ao menos o risco de golpe está afastado. Isso porque, na avaliação de ambos, o presidente não reúne em torno de si as condições mínimas para concretizar seu projeto ditatorial.

“Não existe golpe só porque alguém acordou de mau humor e resolve dar um golpe. Golpe é articulação, um processo. Tem consenso, apoio de segmentos importantes da sociedade, da grande imprensa, dos Estados Unidos. Eles não têm nada disso”, diz Damous. “Bolsonaro conseguiu transformar o Brasil numa república de banana mesmo”, acrescenta. Para Roberto Amaral, “não é para ignorar” o desfile militar previsto, mas ele não vê golpe iminente. “Em golpes sempre há uma preparação, como em 1964 e 2016. E no momento há reação muito forte da sociedade. Não é mais só a resistência minoritária da esquerda. É da sociedade, e da sociedade que pesa: a Casa Grande. A Faria Lima já deu todos sinais de que não admite mudanças nas regras do jogo, e a Faria Lima é decisiva nesse imbróglio”, afirma, referindo-se a um dos grandes centros do mercado financeiro do país. “As Forças Armadas não dão golpe com a opinião pública contra”, completa.

Bolsonaro reage porque está acuado

Bolsonaro enfrenta dificuldades crescentes perante o Judiciário, cujas reações não são apenas retóricas . No final da tarde desta segunda-feira (9), o TSE enviou ao STF nova notícia-crime contra ele. A acusação é de divulgar nas redes sociais informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal sobre um suposto ataque hacker sofrido pelo tribunal em 2018 – e que em nada interferiu no resultado final das eleições daquele ano. Na semana passada, TSE e STF reagiram às agressões de Bolsonaro. Em duro pronunciamento, o presidente do Supremo, Luiz Fux, cancelou uma reunião entre os três Poderes. Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o presidente no inquérito das fake news. Além de tudo isso, banqueiros e empresários, representantes de parte importante do PIB brasileiro, reagiram contra o que chamaram de “aventuras autoritárias” do presidente.

Para Damous, as reações do TSE e do STF “foram uma resposta adequada, mas parece não terem enquadrado Bolsonaro, que continuou falando as mesmas asneiras. Quer botar tanque para desfilar, já ameaçou o ministro Alexandre de Moraes e xingou Barroso”. Na opinião do advogado, as investigações e inquéritos têm de ir até o fim. “Está tudo aí: todas as provas de crimes, todos os tipos penais, crimes de responsabilidade, contra a Lei de Segurança Nacional, crime comum… Crime para dar e vender. Pelo Direito tem como ir até o fim, mas essa é uma decisão política”, lembra.

Ainda sobre a presença de tanques de guerra nas ruas de Brasília nesta terça-feira, Damous defende que Ministério Público precisa abrir investigação para apurar a motivação do tal desfile e o quanto vai se gastar de dinheiro público na empreitada.

“Forças Armadas são golpistas”

A intenção do chefe de governo colocar as forças militares nas ruas é injustificável, mas tem um caráter didático, na opinião de Amaral. “Para tirar ilusões de que Bolsonaro está isolado. As Forças Armadas brasileiras são assim, golpistas e interessadas em manter privilégios. Não têm sintonia com o país.” Ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula, o analista vê as Forças Armadas coesas, mas não em torno do chefe do governo. “Bolsonaro é uma contingência, um instrumento do qual elas se valeram para a retomada do governo. Ele é descartável, mas no momento é um ímã, um ponto de inflexão.”

Damous concorda com as previsões de que Bolsonaro será derrotado na votação na Câmara sobre o chamado voto impresso, até com facilidade. “Não acredito que alguém minimamente experiente vai se deixar intimidar. Que alguém que esteja pensando em votar contra o voto impresso vai deixar de votar porque ele botou tanque na rua.”

“Demonstração de fraqueza”

Nas redes sociais, parlamentares reagiram à demonstração de força pretendida por Bolsonaro. O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), escreveu: “Alguns avisos ao Sr.  inquilino do Palácio do Planalto:
1) Colocar tanques na rua não é demonstração de força, e sim de COVARDIA;
2) Os tanques não são seus, pertencem à Nação;
3) Quer tentar golpe Sr. @jairbolsonaro? É o crime que falta para lhe colocarmos na cadeia”.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), avisou: “Não quero crer que isso seja uma tentativa de intimidação da Câmara dos Deputados mas, se for, aprenderão a lição de que um Parlamento independente e ciente das suas responsabilidades constitucionais é mais forte que tanques nas ruas”.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o anúncio do “desfile de tanques” foi uma informação “gravíssima”. “Clara provocação e ameaça contra a Democracia. Respeitem o Brasil, respeitem as 563 mil famílias enlutadas.”, escreveu em seu perfil no Twitter.


Leia também


Últimas notícias