CPI da Covid

Senador aponta ‘associação de coronéis’ em ‘operação Tabajara’ na compra de vacinas

Rogério Carvalho (PT-SE) destacou a participação de diversos militares em negociações suspeitas com a Davati. Saiba mais sobre os envolvidos

Pedro França/Agência Senado
Pedro França/Agência Senado
Participação dos militares foi relatada por Cristiano Carvalho, representante da Davati

São Paulo – O representante de vendas da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, relatou à CPI da Covid, nesta quinta-feira (15), a participação de uma série de coronéis das Forças Armadas em negociações suspeitas para a compra de vacinas contra a covid-19. A atuação desses militares, dentro e fora do governo, foi destacada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE).

“Estamos falando do coronel Guerra, do coronel Boechat, do coronel Élcio Franco, do coronel Hélcio Bruno. Ou seja, temos uma associação de vários coronéis em torno dessa operação Tabajara”, ressaltou o senador.

O primeiro militar citado foi Gláucio Octaviano Guerra, coronel reformado da Aeronáutica. Ele atua como assessor do adido militar na embaixada brasileira em Washington. Segundo Cristiano, foi Guerra quem o apresentou a Herman Cardenas, CEO da Davati nos Estados Unidos.

A empresa chegou a oferecer ao governo brasileiro milhões de doses dos imunizantes da AstraZeneca. No entanto, a própria AstraZeneca negou qualquer relação com a Davati. Nas negociações, também foram oferecidas vacinas da Jansen ao ministério da Saúde. O governo canadense investiga a Davati por suposta oferta fraudulenta desses imunizantes.

Cristiano relatou que, no dia 12 de março, participou de reunião que contou com a presença dos militares citados. “Me levaram ao Ministério da Saúde o Reverendo Amilton, o Dominguetti, o Coronel Hélcio Bruno, do Instituto Força Brasil. Nas dependências do Ministério, estavam o coronel Boechat, coronel Pires e com o coronel e secretário Élcio Franco.”

‘Comissionamento’

Envolvido nessas tratativas, o policial militar Luiz Paulo Dominguetti denunciou ter recebido pedido de propina de 1 dólar por vacina em negociação para a aquisição de 400 milhões de doses da AstraZeneca. De acordo com ele, a solicitação de propina teria sido feita pelo ex-diretor do departamento de Logística do ministério Roberto Ferreira Dias. Ele nega as acusações.

Em depoimento à CPI, Cristiano disse não ter tomado conhecimento desse pedido de propina. Mas relatou que Dominguetti se referiu a um pedido de “comissionamento”. “Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do Tenente-Coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon.”

Blanco e Odilon

O tenente-coronel Marcelo Blanco era assessor de Roberto Dias no departamento de Logística. Ambos foram exonerados no mês passado, quando surgiram as denúncias. Blanco teria participado do jantar em Brasília no qual Dias teria feito o pedido de propina a Dominguetti. Ele inclusive já foi chamado a prestar explicações à CPI. Seu depoimento foi adiado, contudo, após ele ter entrado com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF).

Já o coronel Odilon foi citado por Dominguetti como a pessoa que apresentou Blanco a ele. Cristiano disse não conhecer Odilon pessoalmente, mas foi contatado pelo militar. “Uma vez ele (Odilon) entrou em contato comigo, e eu até relatei isso ao Dominguetti, perguntando inclusive de comissão.”

Helcio Bruno

O coronel da reserva do Exército Helcio Bruno de Almeida é presidente do Instituto Força Brasil. Trata-se de uma ONG que diz ser composta por pessoas que “amam e lutam pelo Brasil”. Na verdade, trata-se de uma organização que apoia as principais bandeiras do governo Bolsonaro e que já foi alvo no inquérito e na CPMI que investigam esquemas de fake news.

O site do instituto foi retirado do ar nesta quarta-feira (14). Mas nas suas redes sociais há postagens fazendo a defesa da liberação de armas, por exemplo. Outra publicação defende o uso de medicamentos que compõem o chamado “tratamento precoce”, sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Helcio Bruno e o reverendo Amilton Gomes de Paula teriam sido os responsáveis por intermediar a reunião dos representantes da Davati – Dominguetti e Cristiano – no ministério da Saúde.

Boechat e Pires

Também coronel da reserva do Exército, Cleverson Boechat Tinoco Ponciano é coordenador-geral de Planejamento do Ministério da Saúde. Ele teria, inclusive, alertado Cristiano sobre as investigações em curso, pelas forças policiais canadenses, contra a Davati. “O mais grave é que esse coronel Boechat, tendo conhecimento do caso do Canadá, deixou rolar”, assinalou o senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Marcelo Bento Pires também é coronel Exército. Ele passou para a reserva em novembro de 2020. Em janeiro deste ano, foi nomeado para a coordenação do Plano Nacional de Operacionalização das Vacinas contra a Covid-19 do ministério. Ele foi acusado pelo servidor Luis Ricardo Miranda de fazer pressão pela liberação da vacina indiana Covaxin, outro caso de corrupção investigado pela CPI.

Élcio Franco

Por fim, o coronel da reserva Élcio Franco foi secretário-executivo do Ministério da Saúde, durante a gestão do general Eduardo Pazuello. Em janeiro, ele ordenou aos demais órgãos da pasta que fossem concentradas nele todas as tratativas para negociações de imunizantes contra a covid-19. Franco foi exonerado em 26 de março, dias após a saída de Pazuello. Desde 23 de abril, ele é assessor especial da Casa Civil, ministério sob comando do general Luiz Eduardo Ramos.

Até mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), chegou a admitir estar constrangido com os diálogos mostrados por Cristiano revelando a participação dos militares nas negociações dos imunizantes. Contudo, afirmou que as “contradições ou equívocos, ou falhas, ou transgressões” cometidos pelos agentes não resultaram na compra de vacinas.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) reagiu. Ele lembrou que apenas o pedido por vantagens indevidas, mesmo que não tenham sido efetivamente pagas, já caracterizam crime de corrupção ativa. O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão, foi ainda mais longe. “Nós não podemos generalizar, mas o senhor poderia me informar, senador Fernando Bezerra, o que o coronel Elcio Franco ainda está fazendo lá, ao lado da sala do Presidente? Falando pelo governo e mentindo, mentindo?”


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