Grupo Prerrogativas

Juristas condenam ameaças de militares. Presidente do Senado diz que ‘mal-estar’ está superado

Rodrigo Pacheco afirma que conversou Defesa e “assunto está superado”. Apurar responsabilidades “por esse genocídio” é atribuição do Parlamento, dizem juristas

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Os comandantes Paulo Sérgio de Oliveira (Exército) , Almir Garnier Santos (Marinha) e Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) assinaram o mal-entendido, junto com o ministro da Defesa

São Paulo – O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), informou pelas redes sociais que “está encerrado” o episódio da controvérsia entre o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz, e a cúpula da Forças Armadas. Pacheco afirmou ter esclarecido o “mal-entendido” em conversa com o ministro da Defesa, general Braga Netto.

A Defesa, juntamente com os comandantes das três Forças Armadas, Marinha, Exército e Aeronáutica, divulgou nota ontem (7) afirmando que o presidente da CPI da Covid atingiu de “forma vil” os militares. Enquanto Aziz reagiu, afirmando que foi claro em manifestar respeito às Forças Armadas e chamar a atenção para uma “banda podre” que compromete a imagem da instituição. Aziz citou nomes de militares com cargos no governo envolvido em denúncias graves e provocou o presidente do Senado a se pronunciar em defesa do Legislativo ante o tom ameaçador da nota dos militares.


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“Nesta manhã, tive uma conversa com o ministro da Defesa, General Braga Netto. Ressaltamos a importância do diálogo mútuo entre as instituições, base do Estado Democrático de Direito, que não permite retrocessos”, tuitou o presidente do Senado. “O episódio de ontem, fruto de um mal-entendido sobre a fala do colega senador Omar Aziz, presidente da CPI, já foi suficientemente esclarecido e o assunto está superado”. Porém, não se tem notícias até o momento de uma nova nota do alto escalão militar a respeito do mal-entendido.

Caráter anômalo e ameaçador

A nota dos militares causou preocupação de juristas e especialistas envolvidos na defesa do Estado democrático de direito. O grupo de juristas Prerrogativas denunciou o que classifica como “caráter institucionalmente anômalo e ameaçador” do comunicado. Além da crítica, os juristas apontam para um propósito de “intimidação ao livre exercício das atividades do Senado Federal” – o que também foi apontado ontem por Aziz ao presidente do Senado. E explicam: “Trata-se, portanto, de ato de intromissão no funcionamento de um dos poderes da República , que ora desempenha a sua incumbência de controle das ações do Executivo”.

Confira íntegra da nota do Grupo Prerrogativas

O grupo Prerrogativas, que reúne juristas, professores de Direito e profissionais da área jurídica, movidos permanentemente pelo resguardo da Constituição da República, vem denunciar o caráter institucionalmente anômalo e ameaçador da nota oficial publicada ontem (7/7/2021) pelo Ministério da Defesa, subscrita pelo respectivo ministro de Estado e pelos comandantes das Forças Armadas.

O nítido propósito da nota consiste na intimidação ao livre exercício das atividades do Senado Federal, na medida em que promove recriminação a um pronunciamento do senador Omar Aziz, presidente da CPI que investiga desvios governamentais no combate à pandemia da Covid-19.

Trata-se, portanto, de ato de intromissão no funcionamento de um dos poderes da República – o Legislativo – que ora desempenha a sua incumbência de controle das ações do Executivo, conforme previsto no texto constitucional e atendendo a determinação do Poder Judiciário.

Ao fazê-lo, o ministério da Defesa reincide em viciadas práticas recentes, notadamente quando, em 2018, o general Villas Boas, então comandante do Exército, acossou o STF com um tuíte divulgado pouco antes do julgamento de um habeas corpus impetrado pelo  ex-presidente Lula.

As Forças Armadas não são imunes a críticas. Ao contrário. Mantiveram uma ditadura por mais de duas décadas e até hoje parece que não conseguem conviver com os imperativos da democracia.

O envolvimento de alguns de seus membros, da ativa e da reserva, em graves irregularidades administrativas merece a rigorosa investigação, empreendida pela CPI do Senado. O ataque ao parlamentar que comanda as investigações e que expressa de forma legítima sua perplexidade ante à corrosão moral de alguns oficiais militares, não deveria gerar essa reação corporativa e autoritária por parte das cúpulas castrenses.

Fracasso no enfrentamento da pandemia

Na verdade, a manifestação do Senador Omar Aziz, Presidente da CPI, cumpre o relevante papel de revelar os motivos e os autores do fracasso governamental no enfrentamento da pandemia.

É inaceitável que as Forças Armadas continuem a se arvorar como reserva moral da nação e guardião da ordem. Tal propósito não encontra guarida em nossa Constituição. Mais inaceitável ainda é um ministro de Estado, ocupante da pasta da Defesa, produzir mensagem intimidatória ao exercício de um dos poderes da República.

Otto Maria Carpeaux, que em 1940 escapou por um triz do Nazismo na Europa, cunhou a célebre frase “na democracia, se baterem à porta de sua casa de madrugada, é o leiteiro”. Todas as democracias do mundo dormem tranquilas. Em nenhum país civilizado e democrático a democracia deve sofrer ameaças de forças militares.

Lamentavelmente, no Brasil, passa dia, passa mês, passam anos e lá vêm de novo as Forças Armadas ameaçando as instituições democráticas. Sequestraram o leiteiro, para que nunca saibamos que, quando alguém bate na porta, é ele mesmo – o leiteiro – ou algum pretendente a ditador.

O Brasil caminha para 600 mil mortos causadas pela pandemia em cujo descontrole um dos ministros  da Saúde era exatamente um militar da ativa. A CPI instalada no Senado busca apurar as responsabilidades, havendo confiáveis pesquisas mostrando que a omissão governamental causou, no mínimo, 150 mil mortos a mais.

É disso que precisamos: apurar as responsabilidades por esse genocídio. E não de ameaças à democracia.


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