Trocas paralelas

Mensagens mostram negociação informal de ex-diretor da Saúde com representante da Davati

Conversas entre o agora ex-diretor de Logística, Roberto Ferreira Dias, com representante da empresa Davati, revelam que tratativas começaram de maneira informal, via Whatsapp, antes mesmo de a empresa apresentar uma proposta oficial ao governo Bolsonaro

Marcello Casal Jr./EBC
Marcello Casal Jr./EBC
Ex-diretor de Logística negociava compra das doses da AstraZeneca desde 3 de fevereiro, antes do pedido formal, feito no dia 26 daquele mês

São Paulo – Antes mesmo de a Davati Medical Supply apresentar uma proposta oficial de venda de vacinas ao governo federal, representantes do Ministério da Saúde já negociavam com a intermediária de maneira informal e paralela, via WhatsApp. Trocas de mensagens, obtidas pelo jornal Folha de S. Paulo, revelam que a negociação de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca – que nega ter dado autorização para esta oferta – começou antes do pedido formalizado em 26 de fevereiro.

As conversas indicam que no dia 3 de fevereiro o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias estava em contato com o representante da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho. Na ocasião, de acordo com o veículo, Dias enviou uma mensagem pela rede social, às 19h10, apresentando-se como diretor de Logística do ministério. Assim, os dois iniciaram uma conversa e houve uma tentativa de ligação para o funcionário da Davati, não atendida. No dia seguinte, às 11h53, Cristiano retornou, encaminhando documentos sobre a autorização para a venda das vacinas. 

Na mesma conversa, o representante da intermediária pedia desculpas a Dias por não tê-lo atendido, alegando que “estava negociando” para o MS Brasil. “O preço ficou US$ 12,51 por dose FOB (Europa). Preciso da LOI e Gov Authorization”, escreveu. Na sequência, Cristiano enviou outro documento ao então diretor de Logística, com o título “AstraZeneca_3E_Procedures_Price.pdf”.

A oferta e a propina

Com isso, as conversas seguiram até 9 de fevereiro, com algumas ligações sem retorno por parte do representante da Davati. As trocas de mensagens não oficiais também envolvem o ex-assessor de Dias na Saúde, o coronel da reserva Marcelo Blanco. 

Logo na primeira mensagem a Cristiano, Blanco se apresenta dizendo que Luiz Paulo Dominguetti Pereira havia passado o contato a ele. Cabo da Polícia Militar e também intermediário da Davati, Dominguetti é o denunciante que afirmou à Folha ter recebido o pedido de propina de US$ 1 por dose, em troca de assinar o contrato de venda de vacinas AstraZeneca com o Ministério da Saúde. Em depoimento à CPI da Covid no Senado na última quinta-feira (1º), o representante confirmou a denúncia. Ainda segundo ele, partiu de Dias o pedido de propina durante um encontro em um restaurante em Brasília, em 25 de fevereiro. 

Ainda segundo Dominguetti, Blanco também estava presente neste jantar. Um dia antes, o ex-assessor abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos. As conversas informais e paralelas também indicam que havia pressa em acelerar o acordo com a Davati, ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro demonstrava lentidão em tratativas de compra de vacinas feitas diretamente com laboratórios.

A rede suspeita

Dias também foi o responsável por autorizar o empenho da emenda de R$ 1,61 bilhão para a vacina produzida na Índia que ainda não tinha aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E devia documentos de contrato e de regularidade fiscal. Dessa forma, após a denúncia de propina, ele foi exonerado da pasta em 29 de junho.

O ex-diretor ocupava o cargo desde o início do governo Bolsonaro e era uma indicação do ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR). O parlamentar era também ligado ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), outro nome apontado na compra da Covaxin, cuja negociação seria de conhecimento também do presidente Jair Bolsonaro.

Redação: Clara Assunção


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