Democracia sob risco

Ministro da Defesa ameaça eleições de 2022 se não houver voto impresso

Ministro Walter Braga Netto mandou recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, dizendo que a cúpula militar apoia o voto impresso, cujo projeto está em vias de ser rejeitado no Congresso

Marcello Casal Jr / ABr
Marcello Casal Jr / ABr
Braga Netto: apoio à tese do presidente Bolsonaro sobre a volta do voto impresso, sistema que representa um retrocesso para a democracia no país

São Paulo – O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, ameaçou a realização das eleições no próximo ano e disse que elas podem não se realizar se a Câmara não aprovar o “voto impresso e auditável”. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, no último dia 8 o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recebeu recado do ministro. O general pediu para comunicar que não haveria eleições, se não houvesse o voto impresso. “Ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”, afirma a reportagem.

O presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto no mesmo dia. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro a apoiadores, naquela data, na entrada do Palácio da Alvorada.

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A portas fechadas, Lira disse que via aquele momento com preocupação porque a situação era “gravíssima”. Diante da possibilidade de o Congresso rejeitar a proposta de emenda à Constituição que prevê o voto impresso – ainda hoje em tramitação numa comissão especial da Câmara –, Bolsonaro subia cada vez mais o tom.

Em transmissão ao vivo nas redes sociais, no dia 6 de maio, o presidente já dizia, sem apresentar provas, que o atual sistema de urna eletrônica permite fraude. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (…) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”, afirmou Bolsonaro. O que não se sabia, àquela altura, é que o presidente contava com o apoio da cúpula militar para suas investidas autoritárias.

Lira considerou o recado dado por Braga Netto como uma ameaça de golpe e procurou Bolsonaro. Teve uma longa conversa com ele, no Palácio da Alvorada. De acordo com relatos obtidos pelo Estadão, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional. Líder do Centrão, bloco que dá sustentação ao governo no Congresso, Lira assegurou que iria com Bolsonaro até o fim, com ou sem crise política, mesmo se fosse para perder a eleição, mas não admitiria golpe.

Bolsonaro respondeu que nunca havia defendido um golpe. Afirmou, ainda, que respeitava “as quatro linhas da Constituição”, como sempre costuma dizer em público. Lira rebateu, observou que o emissário havia sido muito claro ao dar o alerta e avisou o presidente de que a Câmara não embarcaria em nada que significasse rompimento com a democracia.

O recado dos militares e a reação de Lira são de conhecimento de um restrito grupo da política e do Judiciário com quem o Estadão conversou nas últimas duas semanas. Pela delicadeza do tema, todos pediram para manter os relatos sob sigilo. Desde segunda-feira o jornal vem procurando o Ministério da Defesa, mas não obteve respostas para os questionamentos.

“A conversa que eu soube é que o ministro da Defesa disse a um dirigente de partido: ‘A quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição’. Teve um momento de muita tensão. Não foi brincadeira, não”, descreveu um dos envolvidos no assunto, sob a condição de anonimato.

Confira a reportagem


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