Inconstitucional

Comunidade jurídica vai ao Senado contra indicação de André Mendonça ao STF

Em carta entregue nesta segunda (19), oito coletivos jurídicos elencam fatores contrários à indicação de Mendonça, que “subverte as regras constitucionais” e tem “perfil teocrático, incompatível com o cargo que almeja”

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
Para os juristas, indicação de Bolsonaro é também uma estratégia de aparelhar o Estado com aqueles que o presidente compartilha de alinhamento ideológico

São Paulo – Oito entidades jurídicas entregaram nesta segunda-feira (19) uma carta ao Senado contra a indicação do atual advogado-geral da União (AGU), André Mendonça, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A ação dá início a uma campanha contra a oficialização do nome de Mendonça, que representa um “retrocesso nos pilares da Justiça brasileira e da democracia”, segundo a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Associação de Juízes para a Democracia (AJD), o Coletivo por um Ministério Público Transformador (Coletivo Transforma MP), a Associação Advogadas e Advogados Públicas para a Democracia (APD) e a Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, a Justiça e Cidadania (ADJC). 

Também fazem parte da campanha o Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, o Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra) e o Movimento Policiais Antifascismo. 

No documento, as entidades solicitam aos senadores que “rejeitem” a nomeação do presidente da República. E convoquem audiência pública para “o amplo debate com a sociedade civil” com a finalidade de apontar outro nome para a substituição do ministro da Corte, Marco Aurélio Mello. Aos 75 anos, o decano, indicado por Fernando Collor, se aposentou na última segunda (12). Com a vacância, Bolsonaro promete honrar a promessa de nomear alguém “terrivelmente evangélico” com a indicação de André Mendonça (líder presbiteriano) para a vaga no STF. 

Perfil teocrático

O advogado-geral precisa, contudo, ainda ser chancelado pelo Senado. Mas, de acordo com os coletivos jurídicos, Mendonça não preenche os requisitos para o exercício do cargo de ministro do Supremo. A carta destaca que sua indicação à vaga “não decorreu de sua atuação como advogado”. E sim “do fato de professar a fé como pastor de uma igreja presbiteriana”. O que “subverte as regras constitucionais” para a “criação de uma vertente evangélica na composição da Corte”, apontam. 

“Em contrariedade à laicidade imperativa, além da proclamação pública do Presidente da República em selecionar o candidato com base em sua filiação religiosa em detrimento da formação jurídica e humanística, o próprio indicado, em numerosas ocasiões, reafirmou, em seu favor, seu perfil teocrático, incompatível com o cargo que almeja”. As entidades fazem menção à ação judicial para permitir a abertura das igrejas em um dos piores momentos da pandemia de covid-19.  A medida teve sustentação oral de Mendonça no Supremo.

Ainda segundo a carta, sobre a oposição ao nome do representante da AGU “não se trata de discriminar um jurista evangélico”. “Mas evitar a nomeação de alguém que, assentindo ser religioso fundamentalista, antecipadamente admita vergar as regras e princípios constitucionais em favor de agenda que privilegia ‘pauta de costumes’ avessa aos direitos da população LGBT+, ao direito de aborto de fetos anencéfalos e às políticas de educação antidiscriminatórias e inclusivas nas escolas, entre outros temas que exigem o necessário distanciamento do credo”, completam. 

Aparelhando o Estado

Os juristas também analisam a indicação de André Mendonça para o STF como uma estratégia de Bolsonaro para aparelhar o Estado com aqueles que o presidente compartilha de alinhamento ideológico. A avaliação é que a escolha por Mendonça também visa “favorecer decisões em processos criminais”. Que, nesse caso, “envolvam os próprios filhos (do presidente da República) e seus correligionários”. Os juristas citam ainda a aprovação do candidato como uma representação da “aceitação do parlamento dos excessos cometidos pelo Executivo no decorrer do processo”.

Entre o “conjunto de episódios que inviabiliza a indicação”, a carta também lista as diversas vezes em que a Lei de Segurança Nacional (LSN), um dispositivo criado pela ditadura civil-militar, foi acionada pelo atual advogado da AGU. Na gestão de Mendonça no Ministério da Justiça, Bolsonaro se tornou o presidente que mais utilizou da legislação no regime democrático. Até o fim de 2020, ao menos 41 inquéritos foram abertos com suporte da LSN e tendo como alvo jornalistas e críticos ao governo. 

“Diante de tantas demonstrações de absoluta entrega à ideologia bolsonarista, a indispensável imparcialidade ficará inevitavelmente comprometida para julgar temas sensíveis ao governo e outros que, de algum modo, interfiram nos projetos do atual Presidente da República”, concluem os juristas. 

Apoio hoje

Para chancelar seu nome, Mendonça teria hoje o apoio declarado de apenas 26 dos 81 senadores. É o que mostra levantamento divulgado nesta segunda pelo jornal O Estado de S. Paulo. O indicado de Bolsonaro precisa obter no mínimo 41 votos para ser aprovado ao cargo na Corte. Entre outros 54 parlamentares, 36 se disseram indecisos e 18 não responderam como devem votar. Com as resistências, a previsão é que a sabatina seja definida depois do recesso, no início de agosto.