palco da desinformação

Osmar Terra na CPI da Covid: ‘Se repetir a mesma pergunta, vem duas mentiras diferentes’, afirma cientista

Integrante do “gabinete paralelo” deturpou dados para negar eficiência de medidas de contenção do contágio e manteve defesa da ineficaz a cloroquina

Pedro França/Agência Senado
Pedro França/Agência Senado
É um repentista de asneiras, um savant de ignorância", disse o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino sobre Osmar Terra

São Paulo – O depoimento do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) na CPI da Covid nesta terça-feira (22) foi marcado por mentiras desmascaradas por senadores e cientistas. O bolsonarista apontado como membro do “gabinete paralelo” montado pelo presidente para tratar do combate à pandemia seguiu em sua aposta na desinformação, nas fake news e no negacionismo científico, responsáveis pelas mais de 550 mil mortes pro covid-19 no Brasil. Entre os pontos centrais, o parlamentar seguiu em sua posição contrária ao isolamento social, deturpou dados de cidades que tomaram medidas de contenção do vírus, como Araraquara (SP), e seguiu na aposta de medicamentos ineficazes contra o vírus, como a cloroquina.

“É impressionante, acho que nunca vi alguém tirar tantos fatos do bolso. Parece um shuffle, mesmo se repetir a mesma pergunta duas vezes vem duas mentiras diferentes. É um repentista de asneiras, um savant de ignorância”, disse o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino, em seu perfil no Twitter. Sempre ponderado, Atila demonstrou irritação e impaciência com o depoimento de Terra, que chegou a afirmar que “ninguém acertou na pandemia”.

Força desperdiçada

A realidade é outra. Muitos países conseguiram controlar com eficiência o coronavírus. A receita é conhecida: isolamento social, rastreio de contágios, testagem em massa, uso de máscaras e higiene pessoal. A Austrália, por exemplo, onde a vida já segue em condições normais, registra 910 mortes desde o início da pandemia, em março do ano passado. Resultados alcançados com lockdown intensivo e rastreio ativo de casos. A cidade de Perth, por exemplo, em janeiro, decretou isolamento total por sete dias após a identificação de apenas um único caso de covid-19.

A Nova Zelândia, com 4,9 milhões de habitantes, tem 26 mortes. A receita foi a mesma. Outro país mais populoso, o Vietnã, com 97 milhões de habitantes, tem 69 mortos. O país apostou na ciência, na adoção de isolamento e utilizou o sistema público de saúde para identificar casos nas casas das pessoas. O Brasil, mesmo com a força e capilaridade do (SUS) Sistema Único de Saúde, não adotou medidas de combate ao vírus. Ao contrário, o governo Bolsonaro sempre apostou na desinformação, no “kit covid” e no chamado tratamento precoce.

“E se, deputado, imagina só: se deixássemos as pessoas em casa só por um tempo pra reduzir o contágio, não pelo resto da vida. E depois abrir até os casos subirem de novo. Como, sei lá, Nova Zelândia, Austrália, China, Vietnã e só todos os países que controlaram o vírus fizeram?”, questionou Atila. Enquanto isso, na CPI, Terra insistia que não há como fazer isolamento social.

Imunidade de rebanho

Terra também foi um dos negacionistas que sempre apostou na tese da imunidade de rebanho sem vacinas. Ou seja, que todos se contaminassem, apesar da alta letalidade do coronavírus, para manter a economia ativa, com o mínimo de custos e demanda por cuidados para o governo federal. Assim, segundo a tese adotada pelo deputado, a imunização da população se faria “naturalmente”. Ele citou como “bom exemplo” a Suécia que, no início da pandemia, chegou a adotar essa estratégia. O resultado é que o país até hoje registra a maior mortalidade em relação ao total de sua população, se comparado com os demais países do continente europeu. O fracasso da estratégia, aliás, provocou a queda do primeiro-ministro sueco.

Mas Terra insiste. “Gostaria que o deputado desse um exemplo sobre um vírus humano que atingiu imunidade de rebanho natural, como ele afirma na CPI. Um exemplo só. Porque eu desconheço. (…) A China mostrou que lockdown funciona”, concluiu Iamarino.

Face do bolsonarismo

Terra dedicou-se em seu depoimento à defesa de Bolsonaro, assim como outros aliados do presidente na CPI da Covid. Ao afirmar que se encontrou muitas vezes com Bolsonaro, o parlamentar disse que ele era ouvido, mas que todas as decisões eram tomadas exclusivamente pelo chefe do Executivo. Sobre este ponto, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) salientou a importância de sua presença na CPI. “Deixou claro que Bolsonaro é o responsável pelos resultados desastrosos na pandemia”, disse.

O jornalista Kennedy Alencar ressaltou a responsabilidade de Bolsonaro, mas sempre com desconfiança ao que disse Terra. “Bolsonaro é o principal responsável por ampliar os danos econômicos da pandemia. Ele sabotou combate eficiente, agravou o problema e alongou a duração da pandemia em patamares altos de infectados e mortos. Recuperação da economia depende de controle da pandemia”, disse.

O jornalista completou ao dizer que “Osmar Terra expõe ignorância orgulhosa do bolsonarismo e o mal que ela causa ao país. Renan Calheiros exibiu vídeos que mostraram previsões furadas e mentiras difundidas por deputado que influencia Bolsonaro”.

Mais mentiras

Outras lideranças também repercutiram o negacionismo difundido por Osmar Terra à CPI da Covid. “Desserviço e desinformação! Osmar Terra acaba de dizer na CPI que ficar em casa aumenta o contágio e que o distanciamento social não salvou nenhuma vida. É esse discurso negacionista que guia o governo Bolsonaro!”, disse a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS).

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico e foi ministro da Saúde, rebateu pontualmente a fala do bolsonarista. “Osmar Terra fala que defende a vacina. CPI mostra série de vídeos desmentindo o deputado. Depois fala que não defende a tese da imunidade de rebanho. CPI desmente novamente com vídeos do próprio deputado. Como os outros capangas, Osmar Terra está mentindo em defesa de Bolsonaro.”

O jornalista Leonardo Sakamoto ironizou a oitiva do deputado. “Cada vez que Osmar Terra fala na CPI da Covid que quarentenas não salvam vidas, um panda morre de desgosto pelo negacionismo do deputado em Wuhan. (CPI hoje tá um palco de desinformação bizarro)”.Por fim, outro jornalista, Bob Fernandes, também em tom irônico, citou fala do próprio Terra. “Osmar Terra Plana acaba de dizer: “Se der errado, a culpa é do presidente…”. Ou seja, para o Terra Plana mais de 500 mil mortos ainda não deu errado… Avante”.