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Na CPI da Covid, Luana Araújo defende a ciência contra devaneios bolsonaristas sobre a cloroquina

Participação da especialista na CPI da Covid foi focada na defesa da ciência contra devaneios bolsonaristas relacionados ao uso de cloroquina

Leopoldo Silva/Agência Senado
Leopoldo Silva/Agência Senado
"Vanguarda da estupidez mundial", resumiu Luana. A especialista disse não ser contra tratamento precoce, "desde que exista". O que não é o caso

São Paulo – “Ela é muito lúcida para integrar um governo desses”, resumiu o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), o que foi a oitiva da médica e infectologista Luana Araújo ao colegiado, nesta quarta-feira (2). No início de maio, ela chegou a ser anunciada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, como secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. Porém, após a divulgação de seu posicionamento contrário ao chamado “kit covid”, sua nomeação foi cancelada por Jair Bolsonaro.

A especialista baseou todo seu depoimento à CPI da Covid na defesa da ciência e no esclarecimento acerca de devaneios bolsonaristas relacionados ao uso de cloroquina e ivermectina contra a covid-19. A fala segura e fundamentada de Luana, entretanto, não foi suficiente para intimidar os apoiadores mais radicais do presidente.

Um deles é o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Famoso também por utilizar-se de fake news na defesa do uso da cloroquina, Heinze foi desconstruído por Luana. Seu discurso negacionista e recheado de desinformação ainda foi alvo de memes e críticas nas redes sociais. “Vanguarda da estupidez mundial”, resumiu a especialista. Pressionada sobre tratamento precoce, ela disse não ser contra, mas ressalvou: “sou a favor de tratamento precoce que funcione.”


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Luana seguiu firme todo o tempo em sua argumentação. Heinze ainda tentou, afirmando que “28 países possuem protocolos de uso da cloroquina” contra a covid. Luana respondeu: “São mais de 200 países (no mundo). Todos os outros negam”. Entre as entidades internacionais que rejeitam o uso do medicamento para tratar a covid estão as agências reguladoras da Europa e Estados Unidos, além da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mia Khalifa

Luana criticou duramente o uso político da pandemia e de medicamentos, o que provocou comentários imediatos entre a comunidade científica. O divulgador científico e biólogo Atila Iamarino cravou: “Dói saber que perdemos as chances de ter uma profissional como a Luana Araújo no Ministério da Saúde. Ainda mais quando vemos na CPI quem de fato tem orientado as políticas sanitárias da covid no Brasil”.

Ainda sobre a desconstrução de Heinze, o jornalista Bob Fernandes resumiu: “Galopando entra em cena o senador Heinze… e é impiedosamente atropelado por Luana Araújo e pela ciência. Atordoado, segue expelindo asnices. Cita Harvard, Raoult, atriz pornográfica… é atropelado por Luana Araújo a cada pergunta, resfolega…cambaleia…”

Heize também voltou a citar uma teoria falsa de que uma ex-atriz pornô, Mia Khalifa, estaria por trás de uma conspiração mundial aliada às grandes indústrias farmacêuticas para desestimular o uso da cloroquina. “Não é da minha alçada, senador”, repondeu Luana visivelmente constrangida e contendo o riso.

Heinze, como feito em todas as sessões da CPI, voltou a citar o médico francês Didier Raoult, que defendia o uso da cloroquina contra a covid-19, mas chegou a pedir desculpas publicamente por isso. Ele conduziu um estudo enviezado e recheado de inconsistências para recomendar o medicamento. Por seu mau trabalho, chegou a receber o prêmio Rusty Razor (Navalha Enferrujada), destinado aos maiores divulgadores de falsa ciência, ou pseudociência, do mundo.

Mais repercussão

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) também foi às redes para falar da insistência de Heinze, que também costuma alardear que é engenheiro agrônomo. “O sparring da CPI é o cientista de Rancho Queimado. Vive desse Didier Raoult, que acaba de ser desmoralizado pela dra. Luana. Por que não vai cuidar da febre aftosa do rebanho e deixa o país em paz?”, escreveu Silva.


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A insistência em contrariar o conhecimento científico e o bom senso a que os senadores bolsonaristas submeteram Luana também não passou desapercebida para o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. “Luana Araújo na CPI: não é porque uma cultura de vírus morre no microondas que eu vou pedir para os pacientes de Covid entrarem no forno duas vezes ao dia. No Brasil de Bolsonaro, o óbvio precisa ser dito e repetido.”

O cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de filmes como Bacurau (2019) e O Som ao Redor (2012), também afirmou estar espantado com o teor do questionamentos dos apoiadores de Bolsonaro. “A CPI é um longo inquérito sobre 2+2 talvez não ser 4. Que louco”, disse.

Por sua vez, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico e já foi ministro da Saúde, igualmente resumiu o depoimento da médica à CPI da Covid. “A Doutora Luana Araújo não assumiu o cargo por sua posição contrária aos medicamentos não comprovados cientificamente. Mais uma comprovação do que estamos afirmando há muito tempo: a ciência não pode andar ao lado do bolsonarismo.”