Democracia desperta

Manifestações mostram à sociedade que existe resistência, diz Roberto Amaral

Para ex-presidente do PSB, atos do #19J “animam a oposição ao bolsonarismo” e projeções segundo as quais Bolsonaro estará forte em 2022 “são uma tolice”

Mídia Ninja
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A esquerda tem lotado ruas de todo o Brasil nos atos pelo Fora Bolsonaro

São Paulo – Neste sábado (19), mais de 400 municípios de todas as regiões do Brasil formarão um único palco político de manifestações pelo Fora Bolsonaro. O chamado #19J ocorre num momento emblemático, quando o país está prestes a registra meio milhão de mortos pela pandemia de coronavírus. Na sexta-feira passada (11), a microbióloga Natalia Pasternak mencionou, na CPI da Covid, estudo segundo o qual, quando o país chegasse aos 500 mil óbitos, 375 mil poderiam ter sido evitados, não fosse a política negacionista de Bolsonaro e o incentivo ao tratamento precoce e à “imunidade de rebanho”.

Para o cientista político Roberto Amaral, as manifestações do #19J “têm um efeito muito pedagógico. Mostram à sociedade que existe resistência. E, por outro lado, animam a oposição ao bolsonarismo, nossas forças, que estão retraídas. É muito importante o movimento popular tomar as ruas”, avalia, em entrevista à RBA. Ex-presidente do PSB, ele destaca os números macabros da pandemia no Brasil. O país é o segundo no mundo em número de mortos, só ficando atrás dos Estados Unidos, que registra 617 mil vítimas da covid-19. “Isso é um título que o Bolsonaro vai carregar para o resto da vida.”

Amaral discorda das previsões de que o presidente pode começar a “surfar” numa eventual recuperação econômica que, segundo alguns analistas, tende a ocorrer a partir do momento em que a vacinação abranger a maioria da população brasileira. “Essa história de retomada da economia é uma fantasia. A inflação está crescendo; os juros, que estavam controlados por baixo, estão crescendo, A produção industrial não cresceu e o desemprego continua altíssimo. Então, de onde viria essa projeção de recuperação da economia?”, questiona.

Nesse cenário, o ex-presidente do PSB também não vê Bolsonaro tão forte para a disputa de 2022. “Essas projeções não têm nenhuma base científica”, afirma. “E tem mais: tudo indica que o candidato (de oposição) será o Lula.” Para Amaral, o quadro as próximas eleições presidenciais já é claro. “A disputa vai ser polarizada”, diz. Até porque o “centro” do espectro político “desapareceu”, em sua opinião.

Na quarta-feira (16), presidentes de sete partidos (DEM, PSDB, MDB, Cidadania, Podemos, PV e Solidaridade) se reuniram em Brasília para discutir uma possível candidatura “alternativa” a Bolsonaro e Lula, reportou o jornalista Valdo Cruz, no G1. O encontro foi organizado pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. “Quem decidiu as eleições de 2018 foi esse chamado ‘centro’. Os liberais, a social-democracia, o PSDB, que foram todos para a extrema-direita. Esse centro, centro-direita, centro-centro, centro liberal, se acabou.”

Leia a entrevista de Roberto Amaral:

Como o senhor avalia as manifestações deste sábado?

Eu acho corretíssimas. Elas têm um efeito muito pedagógico. Primeiro, mostram à sociedade que existe resistência. E, por outro lado, animam a oposição ao bolsonarismo, nossas forças, que estão retraídas. É muito importante o movimento popular tomar as ruas. Defendo muito essas manifestações.

O que acha do argumento bolsonarista que ironiza dizendo “eles podem aglomerar, e nós não podemos”?

Primeiro, só estamos fazendo essas mobilizações agora, não fizemos antes. Depois, em todas as nossas manifestações – na medida em que é possível – estamos seguindo todos os protocolos. Pedindo às pessoas para irem de máscara, que observem o distanciamento etc.. Estamos tomando todas as precauções.

Alguns analistas avaliam que esse seria o momento certo de crescer o movimento contra Bolsonaro. Isso porque ele tenderia a começar a “surfar” numa suposta melhora da economia. Inclusive por conta das vacinas, que sempre negou, mas agora tenta capitalizar a seu favor. O que acha dessas avaliações?

Independentemente disso, quem tem que decidir nossa estratégia somos nós, e não Bolsonaro. Ou seja, temos que ter nossa própria estratégia, de bater insistentemente. E, por outro lado, essa história de retomada da economia é uma fantasia. A inflação está crescendo. Os juros, que estavam controlados por baixo, estão crescendo. A produção industrial não cresceu e o desemprego continua altíssimo. Então, de onde viria essa projeção de recuperação da economia?

Seria devido à diminuição da disseminação do vírus, uma tendência que seria para 2022 …

A tendência a partir do aumento da vacinação é que fique mais claro o desemprego. Porque hoje muita gente que não está procurando emprego, acuada pela pandemia, com o aumento da imunização vai voltar a procurar o mercado de trabalho. E também vamos chegar a 500 mil mortos. Isso é um título que o Bolsonaro vai carregar para o resto da vida.

E essas projeções são uma tolice. Não têm a menor importância. Estamos a mais de um ano das eleições. Se você pegar o que eram as eleições em 2017, não têm nada a ver com o que ocorreu em 2018. Não preciso relembrar o golpe, tudo o que se sabe. Em 2018 Bolsonaro era um fato novo, hoje não é. Em 2018 tinha havido o golpe que tirou o Lula. Em 2018 Bolsonaro tinha levado uma facada, certamente não vai levar outra. Em 2018 ele era o estilingue, hoje é a vidraça.

Mas o senhor não acha que se deve considerar o poder que tem o presidente pelo cargo que ocupa? Desde a redemocratização todos os presidentes eleitos foram reeleitos.

Sim, mas muitos presidentes saíram escorchados. Sarney saiu com péssimos índices de aprovação. Fernando Henrique Cardoso, que tinha sido reeleito, saiu com péssimos índices. De todos eles, quem saiu com bom índice de aprovação foi o Lula. E tem mais uma coisa: Bolsonaro vai ser objeto de campanha eleitoral, o que não houve na eleição passada. Ele não tem como, dessa vez, ser protegido pela grande mídia e não ir a debate. Hoje é um quadro totalmente novo! Não tem por que projetar nada. Essas projeções não têm nenhuma base científica.

Pela primeira vez em um bom tempo o senhor está mais otimista…

E tem mais: tudo indica que o candidato será o Lula. Tudo indica, porque ainda temos um ano e pouco. Mas, com todos os méritos do Fernando Haddad, faz diferença.

Como vê a CPI da Covid?

Embora com as suas deficiências, a CPI está mostrando o (pouco) comprometimento do governo com a pandemia. Isso obriga o noticiário da imprensa, tanto impressa quanto televisada, a cobrir as apurações da comissão. Isso é muito positivo. Você tem, diariamente, um foco de críticas ao governo. Esse é o fruto da CPI. Eu não espero dela punição de ninguém.

O senhor acha possível vencer Bolsonaro com uma aliança de esquerda, centro-esquerda, ou precisa unir mais forças?

Olha, é o seguinte: independentemente da vontade dos analistas, desapareceu o centro. Quem decidiu as eleições de 2018 foi esse chamado “centro”. Os liberais, a social-democracia, o PSDB, que foram todos para a extrema-direita. Esse centro, centro-direita, centro-centro, centro liberal, se acabou. E a disputa vai ser polarizada, também independentemente da vontade minha, sua e dos analistas. A essa altura, as frentes estão estabelecidas. Há uma frente popular anti-governo, e uma frente pró-governo. Isso eu lhe dou por escrito. Tenho certeza disso.

Ou seja, os eleitores vão ter que caminhar para um lado ou outro, porque terceira via não vai ter.

Não vai ter. Estão se esgarçando, não é? Imagine uma terceira via coordenada pelo Mandetta. Teve essa reunião agora (dia 16) em Brasília. Mas não tem terceira via.