CPI DA COVID

Para Pedro Hallal, principal responsável pelo negacionismo foi Bolsonaro: ‘Pior de todos’

Epidemiologista disse que estudo sobre covid-19 foi censurado pelo governo federal

Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado
Convidado pela CPI para explicar a relevância de medidas não farmacológicas no enfrentamento da pandemia, Hallal disse que as ações do presidente da República são indefensáveis

São Paulo – Na CPI da Covid, o epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal afirmou, nesta quinta-feira (24), que o presidente Jair Bolsonaro foi a principal personalidade negacionista durante a pandemia de covid-19 no país. A postura de Bolsonaro, segundo ele, é a “pior de todas” observada do ponto de vista da ciência.

Convidado pela CPI para explicar a relevância de medidas não farmacológicas no enfrentamento da pandemia, Hallal disse que as ações de Bolsonaro são indefensáveis. “O Brasil teve quatro ministros da Saúde e por mais que eu tenha críticas aos quatro, os principais sinais de negacionismo não foram dados por nenhum deles. A principal personalidade responsável por propagar mensagens anticiência foi diretamente o presidente da República. Infelizmente, a postura do líder é a pior de todas as posturas que observamos durante a pandemia”, criticou o cientista.

A diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, representante do Movimento Alerta, afirma que nas primeiras 52 semanas da pandemia o governo federal poderia ter criado medidas, como investir na adequação do Sistema Único de Saúde (SUS), além de liderar a população, com orientações sobre setores mais vulneráveis.

Porém, como nada disso foi feito, ela acrescenta que os responsáveis pela negligência precisam ser punidos. “Não foi cumprida a obrigação. Ao recusar cumprir seu dever, essas pessoas devem ser responsabilizadas, por que custou muitas vidas”, criticou.

Censura sobre pesquisa

Pedro Hallal relatou ainda que foi censurado pelo governo Bolsonaro, antes de uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto. De acordo com o cientista, o estudo do Epicovid – um dos mais importantes sobre a pandemia no Brasil – teve trechos referentes à contaminação de brasileiros cortados da apresentação.

Segundo Hallal, o Epicovid mostrava a taxa de brasileiros expostos ao vírus. “O slide foi retirado da apresentação e fui comunicado 15 minutos antes. E, logo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica”, disse na CPI.

O epidemiologista afirma que o estudo incomodou o governo Bolsonaro por apresentar dados duros sobre a pandemia no Brasil. “Na primeira reunião no Palácio do Planalto, o Ministério da Saúde ficou incomodado com o resultado, principalmente sobre os assuntos étnicos. Um dos integrantes disse que era absurdo usar a etnia autorreferida, mas expliquei que era o método do IBGE. O resultado disso foi a exclusão do slide da apresentação que seria feita ao governo federal, um dos episódios mais bizarros da minha carreira. Foi uma censura”, acrescentou.

À frente do estudo, Hallal mostrou que a pesquisa descontinuada, em junho do ano passado, teve um custo de R$ 12 milhões. O pesquisador disse ainda ter sido surpreendido com outro estudo lançado pelo Ministério da Saúde, já neste ano, com tamanho equivalente ao Epicovid, mas com o custo de R$ 200 milhões.

Imunidade de rebanho

Durante a CPI da Covid, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) questionou os pesquisadores sobre a imunidade de rebanho, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o cientista, ela só é atingida quando 70% da população tem anticorpos da doença.

“Se no Brasil temos 50 milhões de casos e 12% da população vacinada, com a possibilidade estarem no mesmo grupo, temos até 30% da população imune. Portanto, se esperamos o país chegar a 70% dos imunes, sua placa de 500 mil mortos vai ter dígito um a mais, o que ninguém gostaria de ver”, explicou.

Na última terça-feira (23), o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), defensor da tese, usou a Suécia como exemplo de “sucesso” no combate à pandemia, sem a utilização de medidas mais restritivas de circulação. Hallal comentou a declaração e corrigiu a informação.

“A postura do presidente sugere que a estratégia era atingir a imunidade de rebanho, que foi a estratégia da Suécia no começo da pandemia. Mas, poucas semanas depois, o epidemiologista-chefe sueco foi a público pedir desculpas, porque o país possuía os piores resultados da região da Escandinávia”, disse o especialista.

Mudança de rumo necessária

A representante da Anistia Internacional, Jurema Werneck, enfatizou que a população não é rebanho, mas convidou a uma reflexão fazendo uma analogia com a proteção do gado. “O que fazem para garantir a imunidade do rebanho? O pecuarista e o veterinário vacinam seu gado.”

A pesquisadora diz que é compreensível errar no começo da pandemia, quando o vírus ainda era desconhecido, mas lembra que os países corrigiram sua rota. “A gente continua acumulando meses mais letais e pessoas estão morrendo. É urgente corrigir a rota, porque não há justificativa para manter o mesmo erro.”

A Suécia é um dos exemplos de mudança de rota, lembra Hallal, que critica a insistência do governo Bolsonaro em medidas sem eficácia. “O que nos espanta no Brasil é que, em nenhum momento, o Brasil reavaliou sua posição. Ontem, um terço da população que morreu veio daqui e o país continua discutindo cloroquina e imunidade de rebanho, temas superados no mundo”, criticou.