São Paulo – Na segunda parte do depoimento prestado à CPI da Covid do Senado, na tarde desta quarta-feira (2), a médica infectologista Luana Araújo comentou a propalada autonomia médica para receitar medicamentos. Questionada pelo senador Jean-Paul Prates (PT-RN) sobre o tema, ela disse que “autonomia não está acima da ciência, não é um cheque em branco, licença para experimentação (…) Sou responsável pelo meu paciente. Quando prescrevo, preciso pesar os riscos e benefícios da prescrição. A relação (entre médico e paciente) não é uma relação autocrática, é uma parceria”, definiu.

A autonomia do profissional médico virou bandeira do bolsonarismo para justificar a prescrição do chamado “kit covid” no tratamento a doentes com a infecção. Para ela, a responsabilidade da relação deve ser clara. “O médico é obrigado a responder pelos seus atos. Se compreender que vale a pena a sua decisão, tem direito de decidir, mas isso não significa que você não responda por ela”, disse.

Ela também destacou a importância da comunicação em saúde. Afirmou que parte da estrutura do cargo que não chegou a assumir oficialmente no governo teria a comunicação como “um dos pilares”. A infectologista – anunciada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 –, foi vetada pelo governo Jair Bolsonaro e não chegou a assumir. Sobre a influência negativa das fake news – em resposta a Simone Tebet (MDB-MT) – disse que “informação correta também é medicação”, e ressalvou que o problema das notícias falsas “não é um fenômeno apenas brasileiro”.

A importância das UBS

À senadora Zenaide Maia (PROS-RN), Luana reafirmou a importância das unidades básicas de saúde (UBS). “Existe a ideia de que as pessoas estão lá e têm a independência de agir de qualquer forma, e elas precisam ser treinadas pra poder enfrentar essas coisas”, afirmou. “Temos a responsabilidade de treinar os profissionais das unidades básicas de Saúde.” Se os cientistas “traduzem” o conhecimento para esses profissionais, são estes que aplicam o conhecimento aos pacientes no dia a dia, explicou a infectologista, que tem mestrado na universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Segundo ela, por falta de esclarecimento e informação, a população não entende o significado do atendimento primário. “A maior parte sabe que é lá que toma vacina ou que fez o pré-natal. Queria deixar uma saudação especial aos agentes comunitários de saúde, categoria extremamente desvalorizada e que deveria receber o exato oposto, serem exaltados”, acrescentou, em resposta a questionamento do senador Rogério Carvalho (PT-SE).

“Neocurandeirismo”

Luana foi muito questionada por senadores bolsonaristas que sistematicamente continuaram insistindo na defesa do kit covid contra a pandemia. Segundo ela, isso “produz a falsa sensação de segurança na população”. “A gente não pode gastar tanta energia e tanto dinheiro em algo que é comprovadamente ineficaz.” Pelo Twitter, em post que depois deletou, afirmou que o uso de cloroquina é “neocurandeirismo” e colocou o “Brasil na vanguarda da estupidez mundial”.

A médica também comentou a relação entre a saúde pública e o chamado “kit covid”, composto por medicamentos comprovadamente ineficazes contra o coronavírus, como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. “Embora a gente saiba que o SUS não patrocina os “kits covid”, essa atribuição aconteceu fartamente no Brasil. Se eles fossem de alguma forma úteis, a gente não teria os números que têm hoje. É matemática”, disse. O ministro Marcelo Queiroga, reconvocado pela comissão, fará novo depoimento na terça-feira (8).

Leia também:

• Na CPI da Covid, Luana Araújo defende a ciência contra devaneios bolsonaristas sobre a cloroquina
• Luana Araújo defende foco na atenção primária, em vez de hospitais e UTIs