CPI da Covid

Pazuello tenta blindar Bolsonaro, mas se trai e envolve o chefe no colapso de Manaus

Ex-ministro diz a Randolfe Rodrigues que presidente esteve em reunião que decidiu que o governo não iria intervir para reduzir mortes e sofrimento de amazonenses. Próxima sessão da CPI será com Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”

Leopoldo Silva/Agência Senado
Leopoldo Silva/Agência Senado
Pazuello foi envolvido no xadrez verbal do senador Randolfe Rodrigues e se traiu

São Paulo – O depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que consumiu a agenda da CPI da Covid por dois dias, trouxe nesta quinta-feira (20) a informação de que o presidente Jair Bolsonaro participou da reunião que decidiu pela não intervenção no Amazonas, que entrou em colapso em janeiro por falta de oxigênio hospitalar, equipamentos e insumos médicos. Apesar de ter poupado o presidente durante todo o depoimento, Pazuello traiu a estratégia ao responder questionamento do senador Randolfe Rodrigues (Rede_AP), vice presidente da comissão. Ao fim do xadrez verbal, o ex-ministro acabou implicando Bolsonaro no caso. Esse foi o diálogo:

Randolfe: “O senador Eduardo Braga protocolou para o senhor um pedido para intervenção federal no estado do Amazonas. O senhor falou aqui que não foi acatado por decisão da reunião…”
Pazuello: “Da reunião interministerial onde o governador (do Amazonas, Wilson Lima) foi chamado, apresentou sua posição e houve uma decisão nessa reunião de que não seria feita a intervenção”(sic).
Randolfe: “Diga uma coisa: à luz da Constituição Federal, quem decide intervenção, os ministros ou o presidente da República?”
Pazuello: “O presidente estava presente”.
Randolfe: “Ah, ele estava presente?”
Pazuello: “Estava, claro”.
Randolfe: “Então ele decidiu que não tinha que intervir na saúde do Amazonas?”
Pazuello: “Essa decisão foi feita nesta reunião”(sic).
Randolfe:
“Perfeitamente. Obrigado. Que conste, senhor relator, essa informação aí”.


Em outro momento da oitiva, o ex-ministro insinuou que a responsabilidade pela situação de desastre humanitário, sobretudo em Manaus, seria do governador. “E o governador, presente (à reunião), se explicou, apresentou suas observações. E foi decidido pela não intervenção. Foi dessa forma que aconteceu”, afirmou.

A vez da “capitã cloroquina”

A próxima sessão da CPI será realizada na terça-feira (25), com a médica cearense Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação no Ministério da Saúde, conhecida por “capitã cloroquina”. Em 20 de maio de 2020 o Ministério da Saúde publicou nota técnica indicando uso da cloroquina e do antibiótico azitromicina no tratamento precoce da covid 19, como pode ser visto em vídeo no canal da Agência Senado. Na época, Mayra argumentou que o Conselho Federal de Medicina deu autonomia aos médicos para prescreverem a medicação e que a pasta da Saúde tinha que se posicionar. O anúncio, então, foi feito por ela: “O Ministério da Saúde ainda não tinha se posicionado oficialmente.Hoje nós orientamos que as prescrições médicas possam ser feitas. Tomamos a decisão de disponibilizar, aumentando os nossos estoques desses medicamentos”.

Mayra responde por improbidade administrativa no Ministério Público Federal sobre crise no Amazonas. A médica esteve no estado poucos dias antes do colapso para difundir o tratamento precoce, segundo reportagem da Agência Senado. “Todas as atividades que foram demandadas em Manaus foram feitas por mim. A função das visitas era conversar com os colegas médicos, tentar orientar sobre atendimento precoce”, declarou à época. A secretária pediu ao STF para ficar em silêncio na CPI, mas o pleito foi rejeitado pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Caso Pfizer: difícil entender

Na sessão desta quinta, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), dirigiu-se a Pazuello para dizer que até hoje, não conseguiu entender a questão da carta da Pfizer enviada a Pazuello, Bolsonaro, o ministro da Economia (Paulo Guedes), o vice-presidente Hamilton Mourão, entre outros membros do governo. A correspondência, em que a empresa apresentava sua proposta para a aquisição de dezenas de milhões de doses de vacina contra a covid pelo governo brasileiro, ficou dois meses sem resposta, até que secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten ficou sabendo do assunto pelo dono de uma emissora de TV e se envolveu na negociação, segundo ele próprio. Pazuello respondeu de modo evasivo, como fizera antes. “Estávamos em negociação com a Pfizer desde abril. Todos os protocolos e discussões… O tempo todo, isso não começou com a carta”, disse.

Aziz questionou a contradição. “O senhor disse que tinha toda a autonomia, não precisava consultar ninguém, e alguém do primeiro escalão (Wajngarten), no quarto andar do Palácio do Planalto, estava negociando essa vacina.” Para o senador, o relato de Pazuello sobre o episódio está mal explicado, pois seria natural que Wajngarten tivesse chamado o então ministro da Saúde para tratar de um tema como vacina em meio a uma pandemia. Em entrevista à Veja, muito explorada pelos senadores na CPI, o ex-chefe da Secom afirmou que o Ministério sob o comando de Pazuello era “incompetente”.

Em seu questionamento, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) insistiu ser “equivocado” da parte do ex-ministro da Saúde dizer que, ao desautorizá-lo na questão da compra da CoronaVac, Bolsonaro não deu uma ordem, como argumentou Pazuello. Não há lei que determine que uma ordem presidencial, para ser cumprida, tem de ser por escrito. Sendo assim, ao afirmar que não compraria a vacina – negando o que seu ministro havia dito na véspera inclusive a governadores –, Bolsonaro deu sim uma ordem e Pazuello cumpriu, disse o senador. Na ocasião, o então chefe da Saúde explicou: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.

Citando o artigo 29 do Código penal, Contarato defende que Bolsonaro, Pazuello e todos os responsáveis pela tragédia sanitária brasileira pela pandemia devem ser responsabilizadas penal, civil e administrativamente.


As próximas reuniões da CPI

Terça-feira (25) – Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação no Ministério da Saúde
Quarta-feira (26) – Sessão deliberativa sobre qual será o depoimento na quinta (27)



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