De quem é a culpa?

Convocação de governadores à CPI da Covid pode ser ‘tiro no pé’ de bolsonaristas, diz cientista político

Para Vitor Marchetti, governadores sabem que serão chamados para “dividir responsabilidades” com Bolsonaro pela situação da pandemia e podem reagir para se proteger

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Edilson Rodrigues/Agência Senado
Os senadores Jorginho Mello, Marcos Rogério e Luis Carlos Heinze, da tropa de choque negacionista de Bolsonaro

São Paulo – Além das reconvocações do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do atual “comandante” da pasta, Marcelo Queiroga, a CPI da Covid aprovou nesta quarta-feira (26) a convocação de nove governadores (veja lista abaixo). Governistas integrantes da comissão comemoraram. “Hoje foi dia um dia importante e que muda o rumo da CPI, dando a ela o caminho do dinheiro. É importante investigar o governo federal, suas ações e omissões, mas é nosso objetivo também investigar o que foi feito com os bilhões destinados a estados e municípios”, disse o senador Marcos Rogério (DEM-RO), por exemplo. As datas dos novos depoimentos ainda não foram marcadas. Nesta quinta (27) será ouvido o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas.

A expressão que melhor define a intenção dos apoiadores do governo de Jair Bolsonaro é “mudar o rumo da CPI”. Mas, para o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC), a estratégia “pode ser um tiro no pé dos governistas”. “Diferentemente de muitos que foram à CPI da Covid, governadores são atores políticos com pelo menos alguma experiência e traquejo político. E, para além disso, têm senso de sobrevivência”, explica. Os governadores sabem que o objetivo de suas convocações é que a responsabilidade pela drástica situação da pandemia seja dividida com eles. “Mesmo que sejam aliados, alguns governadores podem reagir a essa convocação exatamente para se proteger de algum tipo de divisão de responsabilidades que eram do governo federal.”

Informações falsas

Os depoimentos podem também ser uma oportunidade de se esclarecer um tema que os governistas, e principalmente o próprio Jair Bolsonaro, vêm jogando para a opinião pública de maneira enviesada: a distribuição de recursos da União para os estados. O presidente da República tem divulgado, durante toda a crise sanitária, informações com “conteúdo manipulado ou inverídico” sobre verbas destinadas aos entes da federação. Os governadores Flávio Dino (Maranhão) e Rui Costa (Bahia), por exemplo, já foram ao Supremo Tribunal Federal (STF), em março. Eles afirmam que, com essas informações falsas, Bolsonaro coloca em xeque a legitimidade dos entes públicos “no desempenho de suas funções constitucionais” e, com isso, o presidente pode provocar danos sociais.

“E, pior do que um oposicionista, é um ex-aliado”, acrescenta Marchetti. São os casos do governador do Amazonas, Wilson Lima, a quem Bolsonaro jogou a culpa pelas mortes no estado, no auge do colapso de janeiro, e Wilson Witzel, ex-governador do Rio derrubado do cargo após ter virado desafeto do ex-aliado presidente. “Vejo a possibilidade  de que, ao convocar os governadores, o roteiro possa não ser tão bem conduzido ou construído como os governistas pretendem na CPI”, avalia o analista.

A CPI aprovou também a convocação de personagens considerados importantes pelos senadores oposicionistas ou independentes. Arthur Weintraub, ex-assessor especial da presidência da República, é um dos exemplos. Isso porque é atribuída a ele participação destacada no “ministério paralelo” que teria sido montado no Planalto para “aconselhar” Bolsonaro na condução da pandemia. A infectologista Luana Araújo é outra convocada. Ela foi exonerada do cargo de secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 no dia 22 de maio, apenas dez dias após ser anunciada.

Brasil do “neocurandeirismo”

Em postagem no Twitter, Luana criticou duramente a defesa da cloroquina e outras drogas para tratar a covid-19. “Neocurandeirismo. Iluminismo às avessas. Brasil na vanguarda da estupidez mundial”, escreveu. Ela deve ser um contraponto importante ao depoimento da “capitã cloroquina”, a médica pediatra Mayra Pinheiro, cuja oitiva pode ser classificada como de uma “bolsonarista raiz”.

A CPI também convocou o empresário Carlos Wizard, fundador da rede de idiomas Wizard, entre outros empreendimentos. Wizard é outro que vem sendo associado ao “gabinete paralelo” e à tentativa do governo de colocar o tratamento da covid-19 na bula da cloroquina, ideia sem “cabimento”, segundo disse o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, na CPI. Outro depoente será Filipe Martins, assessor especial para Assuntos internacionais da Presidência da República, mais um membro do “gabinete paralelo”, segundo senadores da oposição. Ele foi indiciado recentemente pela polícia do Senado, após ter sido fotografado, em 25 de março, fazendo um gesto considerado símbolo supremacista branco.

Bolsonaro na CPI?

Também na sessão de hoje, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM), que é vice-presidente da CPI da Covid, apresentou requerimento para convocar o próprio Bolsonaro para depor. A estratégia seria mais política, para causar impacto, do que plausível, já que dificilmente subsistiria a uma ação no STF. Mesmo assim, não é consensual nem mesmo entre os senadores de oposição ou independentes, devido ao risco de ser também um tiro no pé, não só por ser questionável juridicamente como porque daria holofote às investidas do presidente. Para Marchetti, há de fato um risco na estratégia, que teria grande potencial de audiência e repercussão.  

“A gente sabe que Bolsonaro tem uma capacidade de comunicação popular que não se pode ignorar. As bases bolsonaristas são especialistas em fazer recortes de falas e depois viralizar nas redes”, aponta o professor da UFABC. Em sua opinião, a convocação de Bolsonaro poderia servir para produzir material para alimentar sua base e reforçar a imagem “antissistêmica” de alguém que não se dobra às “chantagens” da política tradicional.  “Vejo sim como algo que tem um risco. A condução dos senadores não tem sido brilhante, muito bem sustentada. A oitiva do Pazuello produziu uma sensação bastante difundida de que os senadores estão menos preparados do que a gente achava que poderiam estar”, conclui Marchetti.

Saiba quais governadores serão convocados para depoimento à CPI da Covid:

Wilson Lima (Amazonas)
Ibaneis Rocha (Distrito Federal)
Waldez Góes (Amapá)
Helder Barbalho (Pará)
Marcos Rocha (Rondônia)
Antônio Denarium (Roraima)
Carlos Moisés (Santa Catarina)
Mauro Carlesse (Tocantins)
Wellington Dias (Piauí)
Wilson Witzel (ex-governador do Rio de Janeiro)


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