Jogo sujo

Com ‘fake news’ sobre CoronaVac, bolsonaristas na CPI da Covid mostram face perversa

Senador Eduardo Girão chegou a perguntar ao diretor do Butantan, Dimas Covas, se a CoronaVac seria fabricada com células extraídas de fetos abortados. Intenção é disseminar fake news nas redes

Leopoldo Silva/Agência Senado
Leopoldo Silva/Agência Senado
Humberto Costa, Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros rebatem fake news e fazem balanço da CPI

São Paulo – Os senadores da base de Jair Bolsonaro na CPI da Covid mostraram nesta quinta-feira (27), durante a oitiva do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, a face mais perversa dos aliados do presidente da República. Eles se utilizaram de fake news e informações distorcidas ou deturpadas ao dirigir perguntas ao cientista. Hoje, a estratégia foi ainda mais obscura, por tratar-se de uma reunião sobre o tema das vacinas, o mais sensível no debate mundial sobre a pandemia. O objetivo dos governistas é em si mesmo uma forma de plantar e espalhar notícias falsas – no caso, contra a CoronaVac – nas redes sociais. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) promete que a Agência Senado formará uma equipe para analisar os conteúdos e informar a população.

O senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE), que se vale de tal expediente de maneira contumaz, questionou Covas sobre um “estudo feito na China”, apontando que a vacina da farmacêutica Sinovac seria fabricada a partir de células extraídas de fetos abortados (veja o vídeo). O boato é antigo e falso, assim como o que apregoa que a “vacina chinesa” permitiria implantar microchips nas pessoas. O bolsonarista chegou ao ponto de perguntar se o Butantan permitiria que um laboratório independente fizesse a análise da informação. O processo de produção da CoronaVac nunca utilizou fetos humanos. Dimas Covas explicou polidamente que o imunizante contra o Sars-CoV-2 é feito com o vírus inativado e replicado em células de rins de macacos.

O mesmo Girão usou a morte do sambista Nelson Sargento, também hoje, de covid, para contestar a eficácia da vacina, já que Sargento havia tomado as duas doses do imunizante. Dimas Covas explicou que a resposta imunológica da vacina em pessoas com idade avançada (ele tinha 96 anos) é naturalmente menor, assim como no caso de pessoas com comorbidades. “Os idosos respondem menos na produção de anticorpos em relação aos indivíduos mais jovens, por isso que não é 100% de soroconversão”, disse. “A vacina não é um escudo contra a doença, não é uma proteção absoluta e nem um escudo contra a mortalidade”, explicou.

“Oportunista sorrateiro”

Na sessão da quarta-feira (26), que votou a convocação de governadores, o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), acusou Eduardo Girão de ser um “oportunista”. “Vossa excelência é um oportunista pequeno”, disse. “Não entende patavina de saúde, quer impor a cloroquina na cabeça da população. Vossa excelência é um oportunista sorrateiro”, acrescentou Aziz.

Outro bolsonarista da CPI, Luis Carlos Heinze (PP-RS), conhecido por fazer a defesa fanática da cloroquina, questionou Covas sobre o “não reconhecimento” da CoronaVac na Europa. Segundo Dimas Covas, o fato de a Europa não utilizar a CoronaVac não significa que não “reconheça” a vacina. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) anunciou apenas em 4 de maio deste ano ter iniciado a análise contínua da CoronaVac. Na ocasião, o órgão informou que não havia recebido pedido formal de autorização para comercializar a vacina no bloco europeu e que não havia prazo para conclusão da avaliação.

Heinze e Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, também insistiram que o governo federal transferiu “bilhões” para o Butantan. O diretor da instituição reiterou várias vezes que o governo federal não investiu um único centavo no desenvolvimento da vacina.

Um mês de CPI da Covid

Em entrevista coletiva após a sessão, os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, Renan Calheiros e Humberto Costas (PT-PE) fizeram um balanço da comissão, instalada em 27 de abril. “Está patente que existia um gabinete paralelo de enfrentamento da pandemia diferente da estratégia da ciência”, afirmou Randolfe. “A ciência aposta no isolamento e na vacina. O gabinete paralelo apostava e insiste em cloroquina, aglomeração e imunização de rebanho.” Para Humberto, o depoimento de Covas “foi demolidor para o governo”. Por exemplo, por ter deixado claro que 60 milhões das 100 milhões de doses contratadas da CoronaVac ignoradas pelo governo Bolsonaro teriam chegado ao Brasil ainda em 2020, mas acabaram tendo outros países como destino.

“Temos provas sobejas da existência de um ministério ou consultoria paralela que despacha com o presidente”, disse Renan. O mais grave, destacou, é que “o presidente continua a fazer as mesmas coisas”. Ele destacou ser urgente superar as dificuldades e agilizar o calendário para vacinar a população em 2022, “pois teremos que ter vacinações anuais”.

Governadores

Os senadores responderam sobre a convocação de governadores para depor na CPI da Covid. Humberto Costa lembrou um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2012, que autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer a uma convocação da chamada CPI do Cachoeira. O petista defende um meio termo, pelo qual os governadores não sejam obrigados, mas possam depor. Isso porque alguns governadores querem relatar a experiência de enfrentar a pandemia sem nenhuma articulação do governo federal. “Acreditamos que até semana que vem vamos ter uma solução. Não nos interessa jogar para o Supremo resolver. Temos que resolver aqui”, disse.

A médica Nise Yamaguchi – bolsonarista e defensora do “tratamento precoce” – é a próxima a depor na comissão, na terça-feira (1° de junho). Ela é apontada como figura importante do “gabinete paralelo”. Em seu depoimento, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, revelou que a médica estava “mobilizada” em defesa da mudança da bula da cloroquina para que a droga fosse usada contra a covid.


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