CPI da Covid

Barra Torres confirma que médica ligada ao Planalto pressionou para mudar bula da cloroquina

Presidente da Anvisa confirma versão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que relatou pressão para que fossem alteradas as recomendações de uso do medicamento

Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado
Barra Torres relatou reação brusca ao ouvir sugestão para mudar bula do medicamento: "Isso não tem cabimento"

São Paulo – O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, (Anvisa) Antonio Barra Torres, confirmou à CPI da Covid, nesta terça-feira (11), que a médica infectologista Nise Yamaguchi sugeriu mudar a bula da cloroquina. Segundo ele, em reunião realizada no Palácio do Planalto, Nise estava “mobilizada” para incluir na bula do medicamento a recomendação para uso no tratamento de pacientes com a covid-19.

Nesse sentido, Barra Torres endossou versão apresentada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que havia relatado a existência de uma minuta de um decreto sugerindo alteração na bula do medicamento. Barra Torres disse não saber da autoria do documento, mas afirmou que reagiu rispidamente a “comentários” da infectologista em defesa da mudança.

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“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação, confesso, até um pouco deseducada ou deselegante minha”, relatou Torres. “Minha reação foi imediata em dizer que aquilo não poderia ser.”

Ele explicou que esse tipo de procedimento só pode ser realizado pela agência reguladora, mediante solicitação do laboratório detentor do registro do medicamento em questão. “Quando houve a proposta de uma pessoa física, isso me causou uma reação mais brusca. Disse ‘olha, isso não tem cabimento. Isso não pode'”, declarou o presidente da Anvisa.

Ministério Paralelo

As declarações de Barra Torres sobre a reunião reforçam, ademais, a versão apresentada por Mandetta, de que o presidente Jair Bolsonaro contaria com uma equipe que prestava “assessoramento paralelo” sobre questões relativas ao combate à pandemia. Esse assessoramento passaria, inclusive, ao largo do próprio ministério da Saúde. Segundo o diretor-presidente da Anvisa, também participaram dessa reunião o então ministro da Casa Civil, general Braga Netto. Nise Yamaguchi estaria, segundo Barra Torres, acompanhada de outro médico, o qual ele não recorda o nome.

Mandetta havia afirmado à comissão que não partiu do ministério da Saúde qualquer ordem para que o laboratório do Exército produzisse cloroquina em larga escala. A pasta também não teria ordenado a distribuição do medicamento para estados e municípios, nem que fosse enviado a comunidades indígenas. Essa informação foi endossada pelo também ex-ministro Nelson Teich. Até mesmo o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou não ter autorizado, durante a sua gestão, a distribuição dessa medicação para tratamento da covid-19.

Tratamento precoce

Instado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, Barra Torres, que também é médico, se posicionou sobre o uso da cloroquina para o tratar pacientes com covid-19. “Minha posição sobre o tratamento precoce não contempla essa medicação. Contempla, sim, a testagem e o diagnóstico precoce”, declarou. Ele afirmou que há um estudo em aberto que investiga a utilização da medicação em pacientes com sintomas leves. O prazo para a conclusão desse estudo foi fixado em 31 de dezembro. Entretanto, outros experimentos desse tipo realizados internacionalmente apontam para a ineficácia da medicação contra a covid-19.

“Até o presente momento, no mundo todo, os estudos apontam a não eficácia comprovada, em estudos ortodoxamente regulados. Ou seja, (utilizando) placebo controlado, (com testes) duplo cego e randomizados. Até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso contra a covid-19″, afirmou o presidente da Anvisa. Contudo, Barra Torres disse que não discutiu o uso dessa medicação com Bolsonaro. “Procuro me manter completamente fora disso”, afirmou.


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