Bombas

Figueiredo quis apurar Riocentro, mas optou pelos companheiros de caserna, diz pesquisador

Debate lembrou os 40 anos do atentado que causou fissuras no governo e permaneceu sem identificação dos culpados

Reprodução
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O famoso Puma onde explodiu a bomba que matou um sargento e feriu um capitão: ação da linha dura contra o processo de 'abertura' política

São Paulo – O então presidente João Figueiredo quis investigar o caso Riocentro, mas “optou por ficar com os companheiros de caserna”, diz o pesquisador Bernardo Pasqualette, autor de recente biografia sobre o último general no poder durante a ditadura. Ele participou ontem (27) à noite de debate que lembrou os 40 anos do atentado ocorrido na área externa do centro de exposições em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. Durante um show musical por ocasião do 1º de Maio, uma bomba explodiu antes do tempo em um Puma no estacionamento, matando um militar (sargento Guilherme Pereira do Rosário) e ferindo gravemente outro (capitão Wilson Machado). A intenção da chamada linha dura seria culpar grupos de esquerda e, com isso, sabotar o processo de “abertura” política em curso.

Até hoje, ninguém foi responsabilizado pelo episódio. Investigações de jornalistas e procuradores ao longo dos anos apontaram para uma ação de extremistas de dentro do governo. Outra bomba explodiu perto da casa de força e haveria mais uma atrás do palco onde os artistas se apresentavam, na noite de 30 de abril de 1981, diante de 20 mil pessoas. Um inquérito policial-militar (IPM) deu em nada. O atentado continua sendo o segredo mais guardado da ditadura.

Silêncio até hoje

Em 2014, nos 50 anos do golpe, o caso voltou à tona, incluindo depoimentos de envolvidos à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ou supostos depoimentos, porque eles mantiveram o silêncio mesmo convocados. Reportagem à época do jornalista José Casado, de O Globo, cravou que tanto Figueiredo como o general Danilo Venturini, chefe do Gabinete Militar, foram informados com um mês de antecedência sobre os preparativos de um atentado que ocorreria no Riocentro.

“Acho que a gente nunca vai poder ter certeza se ele (Figueiredo) sabia ou não, e as versões sobreviveram ao fato. E eu acho, sinceramente, que não é o cerne da questão”, afirma o pesquisador, que foi entrevistado por um grupo de estudiosos, em live promovida pelo site História da Ditadura. “O que eu acho mais importante são as consequências da atuação dele.”

Crise de consciência

No caso, talvez, da falta de atuação. O presidente, que chegou a empregar a expressão “prendo e arrebento” para se referir ao enfrentamento contra quem se opusesse à abertura, não fez uma coisa nem outra no episódio do Riocentro. “Por um lado, queria apurar. Mas, por outro, ele deve ter tido uma crise de consciência muito grande”, diz Pasqualette. “Optou por ficar com os companheiros de caserna, escolheu o lado que queria ficar. No momento crucial, ficou com o Exército.”

Uma das consequências foi a saída do governo, meses depois, do general Golberi do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil, estrategista do regime, por discordar da falta de investigação efetiva. Por outro lado, oficiais blindaram os dois diretamente envolvidos no atentado no Riocentro. Militares de alta patente compareceram ao enterro do sargento, em cujo colo a bomba explodiu, e garantiram o silêncio, provavelmente eterno, de Wilson Machado. Em esparsas declarações, ele negou ter carregado explosivos.

Rastro de impunidade

O caso ocorreu depois de episódios que buscavam conturbar o processo político, como explosões em bancas de jornal e o que ocorreu em agosto de 1980 na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, onde uma bomba matou a secretária Lyda Monteiro da Silva. Depois do Riocentro, os atentados cessaram. Mas a falta de apuração “deixa um rastro de impunidade, de anarquia, de indisciplina”, constata o pesquisador. “São 40 anos e a gente não sabe quem são os culpados. Continua essa interrogação na história do Brasil.”

Em 2014, o Ministério Público Federal no Rio (MPF-RJ) denunciou seis pessoas por envolvimento no atentado. Foi o resultado de dois anos de investigação, com análise de 38 volumes de documentos e 42 depoimentos, entre testemunhas e investigados. Além dos seis denunciados, havia outros nove envolvidos, que já tinham morrido. A denúncia incluiu, além de Wilson Machado, o ex-delegado Claudio Antonio Guerra, os generais reformados Nilton Cerqueira, Newton Cruz e Edson Sá Rocha e o major reformado Divany Carvalho Barros.

Envolvidos: nada a declarar

A ação do MPF chegou à terceira instância. Na primeira, a Justiça aceitou a denúncia, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) “trancou” o processo. O Ministério Público recorreu, então, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em setembro de 2019, por 5 a 2, a Terceira Seção do STJ negou provimento ao recurso. O o ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, aceitou a argumentação de que o atentado configurou crime contra a humanidade. Seria, assim, imprescritível. Isso permitiria a retomada da ação penal contra os denunciados. Mas foi voto vencido.

Em julho de 2014, aos 66 anos, o já coronel reformado Wilson Luiz Chaves Machado compareceu diante da Comissão da Verdade para prestar depoimento. Mas se manteve em silêncio. O mesmo aconteceu com Nilton Cerqueira. Integrantes do colegiado fizeram perguntas, mas o militar, que já havia vetado a presença de jornalistas, disse que nada tinha a declarar.