Perseguição política

Para Boulos, investigação com base na Lei de Segurança Nacional é ‘intimidação’

Líder do MTST foi intimado pela PF a prestar depoimento sobre postagem crítica a Bolsonaro. Resquício da ditadura, lei “tem servido ao governo para tentar calar aqueles que denunciam suas ações”, diz

Mídia Ninja
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""Nós temos que nos atentar para as eleições parlamentares. Não adianta só eleger um presidente, um governador, e ter um parlamento que expresse o pior da sociedade brasileira"

São Paulo – A notícia de que a Polícia Federal intimou o ex-candidato a prefeitura de São Paulo e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos (Psol), a prestar depoimento em um inquérito aberto a pedido do Ministério da Justiça, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), provocou revolta em amplos setores da sociedade civil, que apontam “perseguição” e uma “tentativa de intimidação a Boulos” por parte do governo de Jair Bolsonaro. 

Boulos é acusado de “ameaçar” o presidente da República por conta de um tuíte em que o advertia sobre o fim do regime absolutista na França, no século 18. E terá de se apresentar para explicações na próxima quinta-feira (29), às 16h, na superintendência da PF em São Paulo. 

O comentário de Boulos havia sido publicado no dia 20 de abril do ano passado. Era resposta a uma declaração de Bolsonaro que procurava se defender de sua participação, no dia anterior, de atos antidemocráticos, a favor de uma nova intervenção militar no Brasil e do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, Bolsonaro declarou “eu sou a Constituição”. Em alusão à frase atribuída a Luís 14, rei da França por 72 anos e 110 dias. 

‘Tentativa covarde de intimidação’

Em resposta à referência ao regime absolutista, derrubado no final do século 18 pela Revolução Francesa, o líder do MTST escreveu “um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina”. O comentário foi levado ao Ministério da Justiça pelo deputado José Medeiros (Podemos-MT)  que entrou com representação contra Boulos. A denúncia foi acolhida pelo então ministro André Mendonça que pediu à PF que abrisse um inquérito para investigar a postagem com base na LSN. Mendonça hoje é Advogado-Geral da União e um dos cotados para assumir a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no STF. 

À imprensa, nesta quarta-feira (21), Boulos avaliou que “a Lei de Segurança Nacional é um resquício da ditadura que vem servindo o governo para tentar calar aqueles que denunciam suas ações imorais e ilegais”. Em entrevistas, o líder do MTST também chamou de “curioso” o momento da intimação, uma semana depois dele revelar que estaria disposto a assumir sua candidatura ao governo de São Paulo no próximo ano. “O objetivo é evidentemente de intimidação e demonstra também um certo desespero do governo. Esse tweet é de mais de um ano atrás”, observou Boulos. 

Para ele, há ainda um “aparelhamento completo das instituições e uma tentativa covarde de intimidação. Mas não vão me intimidar”. Essa é também a opinião de outras figuras públicas que manifestaram apoio a Boulos pelo Twitter. A deputada Natália Bonavides (PT-RN) destacou que Boulos é “mais um alvo da perseguição desse governo genocida”. “A Lei de Segurança Nacional é mais do que um entulho da ditadura, ela é a continuidade da política autoritária e de perseguição política. Seu uso pelo governo Bolsonaro é criminoso”, acusou. 

Lei do Silêncio Nacional

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) também descreveu o inquérito como “absurdo e ilegal”. “Bolsonaro e seus capatazes querem intimidar opositores e os movimentos sociais. Não conseguirão”, tuitou. O sociólogo Celso Rocha de Barros reiterou a crítica. “Isso é um absurdo e os responsáveis por esses atos autoritários têm que ser presos”. 

Apelidada de “Lei do Silêncio Nacional”, a LSN, já nos primeiros quatro meses deste ano, foi usada pelo menos 19 vezes, segundo dados da PF, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), e publicados no portal jurídico Conjur. De janeiro de 2000 até 7 de junho de 2020, o Estado brasileiro havia instaurado 155 procedimentos para investigar possíveis violações a essa lei redigida durante a ditadura civil-militar. Nesse período, Bolsonaro já é o presidente que mais utilizou do dispositivo no regime democrático. Até o fim de 2020, ao menos 41 inquéritos com suporte da LSN foram abertos por ele. 

A lei vem sendo empregada pelo governo federal sobretudo para enquadrar opositores do presidente, como nesse caso de intimidação a Boulos. Entre os casos mais conhecidos estão o do youtuber Felipe Neto, do advogado Marcelo Feller até o então mais recente, dos cinco ativistas que estenderam a faixa “Bolsonaro Genocida” em frente à Esplanada dos Ministérios, em março. Em paralelo, o Legislativo tenta aprovar um projeto, parado há quase 20 anos, que pode extinguir com essa lei, herança da ditadura. 

Outro processo

Na esteira da repercussão da intimação a Boulos e a tentativa de intimidação com base na LSN, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub divulgou nesta quinta-feira (22) que moverá um segundo processo contra o líder do MTST por ter sido chamado por ele de “vagabundo”. A ação de danos morais pede indenização de R$ 10 mil. No processo anterior, a Justiça criminal sustentou que a ação deveria correr na esfera federal. 

Pouco expressivo em sua gestão à frente da Educação, Weintraub teve o mandato mais marcado por polêmicas e ataques às instituições. Como a que chamou os ministros do STF de “vagabundos” e defendeu “mandá-los para a prisão” em reunião ministerial no ano passado com 25 autoridades. Recentemente, o ex-ministro foi punido com duas censuras éticas pela Comissão de Ética da Presidência da República. 


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