"Vitória possível"

Assembleia derruba parecer de aliados e endurece punição de Fernando Cury por assédio contra Isa Penna

Após pressão, Legislativo derruba punição anterior de 119 dias e permite novo acordo. Isa Penna protesta: penalidade é “redução de danos” para barrar relatório anterior e cassação do mandato

Alesp/Reprodução
Alesp/Reprodução
"Derrotar aquele relatório é importante para eu continuar andando de cabeça erguida dentro dessa Casa", explicou a deputada, vítima da importunação sexual. Penalidade, contudo, "é um tímido passo para validar a indignidade da sociedade"

São Paulo – O plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou por unanimidade, nesta quinta-feira (1º), o afastamento do deputado Fernando Cury (Cidadania) por 180 dias, sem remuneração, no processo de quebra de decoro pelo assédio sexual cometido contra a também deputada Isa Penna (Psol). Após dois dias de debates, na manhã de hoje os líderes das bancadas legislativas chegaram a um novo acordo para aprovar uma pena maior do que a prevista no parecer do Conselho de Ética. 

Aliados do parlamentar tentavam atenuar a punição do assediador para 119 dias, prevista no regimento da Alesp como “licença”. Para a maioria dos deputados, a penalidade, no entanto, seria “irrisória” e como “férias” diante do gesto grosseiro e machista de Cury, flagrado em dezembro pelas câmeras da Alesp se aproximando pelas costas de Isa e, em seguida, levando a mão ao seu seio. 

A emenda substitutiva foi colocada para votação por volta das 18h30 e aprovada por todos os 86 deputados presentes. A punição, além de derrubar o voto em separado do deputado Wellington Moura (Republicanos), que manobrava pela penalidade mais branda, retoma o entendimento do relator do caso no Conselho de Ética, o deputado Emídio de Souza (PT). Apesar de defender a cassação como pena mais justa, Emídio optou pelo afastamento temporário por seis meses. Este seria o entendimento dos membros do colegiado. Segundo Emídio, a maioria não aprovaria a anulação do mandato de Fernando Cury. 

“Saída política possível”

Embora maior, a punição não alcança a cassação desejada por Isa Penna e outras parlamentares, de todas as correntes políticas. O entendimento geral, contudo, é que essa foi a “mediação possível dentro da conjuntura possível” da Alesp, ainda marcada pelo corporativismo e uma maioria de deputados homens. 

A ampliação da punição também foi considerada uma vitória por uma parcela de parlamentares. Já que até ontem o presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), não queria permitir emendas ao projeto de resolução que trata do afastamento. Só após pressão, Pignatari aprovou nova discussão a fim de buscar uma “saída política” unânime. 

Em seu direcionamento de voto ao partido Rede Sustentabilidade, a deputada Marina Helou considerou que a punição a Fernando Cury poderia “sair de uma pena ridícula para que de fato caminhasse para uma punição adequada a um assédio dessa magnitude. Isso só aconteceu porque mulheres se somaram”, enfatizou. A deputada Leci Brandão (PCdoB) reforçou que a punição do Conselho de Ética “era um deboche a Isa Penna e a todas as mulheres”. 

Redução de danos

“Também achavam que a Alesp nem era o meu lugar. Há 45 anos fui estigmatizada por defender mulheres, a população negra, indígenas, quilombolas e as religiões de matrizes africanas”, lembrou Leci, ressaltando que embora o Legislativo seja marcado por negociações, “quando se trata da dignidade é imperdoável que façam manobras com a vida das pessoas. Plenário é soberano e não tem que aceitar decisões unilaterais e autoritárias”, afirmou. O deputado Sergio Victor (Novo) observou que a “punição exemplar e ideal seria a cassação”, mas também orientou o partido a votar pela suspensão temporária por 180 dias. 

Mais cedo, ao falar durante sessão virtual, Isa Penna avaliou que era “lamentável que o entendimento possível dessa Casa seja (o afastamento por) seis meses. É lamentável porque estamos em uma sociedade que cada vez é menos tolerante com isso e eu tenho o compromisso com essas pessoas. Por isso minha luta e defesa é pela cassação”. Mas a parlamentar ponderou que “faço política com o parlamento que existe” . Para ela também era importante derrotar o relatório aprovado por Moura e os deputados Delegado Olim (PP), Adalberto Freitas (PSL), Alex Madureira (PSD) e Estevam Galvão (DEM), corregedor do Conselho de Ética. 

Segundo Isa Penna, os cinco “fizeram do Conselho de Ética uma sessão de tortura e de continuação da violência”. “Como vítima, eu acho que seja uma redução de danos não ser aprovado o relatório daquelas pessoas, em que eu não tive o direito de defesa e fui silenciada muitas vezes. Derrotar aquele relatório é importante para que eu continue andando de cabeça erguida na Casa”.  

Cury afastado

Desde 1999, nenhum parlamentar havia sido suspenso pela Assembleia. O episódio até então inédito foi a cassação do ex-deputado Hanna Garib (PPB), acusado de envolvimento na chamada “Máfia dos Fiscais”. Fernando Cury, que não participou da votação, terá a partir de agora seu suplente convocado, o padre Afonso Lobato (PV). Pelo parecer da Procuradoria da Alesp, o gabinete do deputado do Cidadania poderá ser desmobilizado. 

Em suas redes, a deputada do Psol também aproveitou para agradecer toda a mobilização entorno do caso, que tornou possível, de acordo com ela, a construção de uma pena mais dura. A luta, porém, continua. “Ele foi suspenso, mas os processos no Ministério Público e na Justiça Comum ainda seguem. Como sempre digo: assédio é crime e merece ser pautado como tal!”, tuitou Isa Penna.


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