Bolsonarista e negacionista

Sem reviravoltas à vista, Câmara deve confirmar Bia Kicis na presidência da CCJ

Deputada que está perto de assumir a comissão mais importante da Câmara defende cloroquina, é autora de projeto que desobriga o uso de máscaras contra o coronavírus e é investigada em inquérito no STF

Samuel Figueira/Câmara dos Deputados
Samuel Figueira/Câmara dos Deputados
A negacionista Bia Kicis pode comandar colegiado mais importante da Câmara dos Deputados a partir da semana que vem

São Paulo – Depois da intensa agitação contra a indicação de seu nome, um mês atrás, tudo indica que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) será confirmada na semana que vem como presidenta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a mais importante da Casa. Quando seu partido apresentou a bolsonarista para o cargo, parlamentares da oposição manifestaram intensa indignação. Muitos chegaram a afirmar ser “quase impossível ela assumir”, como fez a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Pelas regras, a presidência da comissão cabe ao bloco vencedor nas eleições que levaram Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara. Desse grupo, o PSL, partido de maior bancada, tem a prerrogativa política da indicação.

O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG) chegou a ser cotado para a presidência da comissão. Como é do mesmo bloco que elegeu Lira, embora não da mesma legenda, negociações dentro desse grupo poderiam levar o deputado mineiro ao cargo. Mas o parlamentar desistiu de concorrer e o PSL decidiu, internamente, unir as alas mais bolsonaristas às dissidentes, evitando a divisão em torno de “um bem maior”. A eleição, que era prevista para esta semana, foi adiada para a próxima, provavelmente terça-feira (9).

Rejeitada inicialmente por amplo número de deputados, inclusive da base do governo de Jair Bolsonaro, Bia Kicis adotou postura cautelosa no período pós-prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ). No último mês, a deputada bolsonarista silenciou e evitou suas costumeiras atitudes ostensivas e ataques a instituições. Ao submergir no período, “esfriou” a rejeição a seu nome.

Apoio de procuradores

Outro dado a favor de sua indicação é o apoio da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. “A Anape acredita que a deputada exercerá um brilhante trabalho, assim como em todos os cargos que já ocupou”, afirma a entidade. Hoje aposentada, a deputada do PSL foi procuradora-geral adjunta, procuradora-corregedora e chefe da Assessoria Especial da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF). “Mas a verdade é que, assim que tomar posse, a Bia vai prestar relevantes serviços aos Bolsonaro”, diz à RBA um deputado que preferiu não ser citado.

Ontem (4), o presidente da Anape, Vicente Braga, se reuniu com o presidente da Câmara para tratar da Reforma Administrativa (PEC 32/20), que deve tramitar na CCJ a partir da próxima semana. Bia Kicis participou do encontro, que teve o objetivo de “corrigir as injustiças” do texto da PEC e discutir “as prerrogativas do cargo de procurador”, segundo a entidade.

Fake news

A CCJ tem as mais importantes atribuições entre todas as comissões da Câmara. Cabe a ela decidir sobre a admissibilidade e constitucionalidade de projetos de lei ou emendas à Constituição, assuntos relativos a direitos e garantias fundamentais e organização do Estado, entre outras competências.

A parlamentar é uma das investigadas no inquérito das fake news, do Supremo Tribunal Federal (STF), comandado pelo ministro Alexandre de Moraes. A possibilidade da deputada presidir a comissão provoca mal-estar entre os ministros da Corte. “Eu sou contra o ativismo judicial do STF”, disse Bia Kicis ao ser indicada ao cargo, há um mês, ao jornal O Estado de S. Paulo.

No ano passado, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defendeu a cassação da deputada, que chegou a dizer, no final de 2020, que as vacinas contra a covid-19 “podem afetar o DNA”.

(Reprodução)

Ao longo do mandato, ela também vem se manifestando como uma seguidora exemplar de Bolsonaro em relação à pandemia de covid-19. Ao invés das recomendações de autoridades sanitárias e cientistas, defende “tratamento precoce“, o que inclui a cloroquina, que é comprovadamente ineficaz contra a infecção, segundo todas as pesquisas sérias do mundo.

Contra máscaras

Mais do que com palavras, a deputada tenta concretizar suas ideias por lei. Ela é autora do PL 4650/20, que desobriga o uso de máscaras, item fundamental para evitar a disseminação do vírus. A parlamentar argumenta que “não há evidências científicas para assegurar que o uso de máscara protege a população”.

Pouco antes do caos sanitário em Manaus, esteve entre os bolsonaristas que comemoraram em redes sociais o recuo do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), que havia decretado lockdown e voltou atrás.  “A pressão do povo funcionou tb em Manaus. O governador do Amazonas, @wilsonlimaAM voltou atrás em seu decreto de lockdown. Parabéns, povo amazonense, vcs fizeram valer seu poder!”, escreveu a deputada (grafia da postagem mantida). Os resultados da abertura das atividades econômicas sem restrições são conhecidos.

Ação na Justiça

Na quarta-feira (3), a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) entrou com ação na Justiça Federal visando barrar a candidatura e eventual posse de Bia Kicis na CCJ. A parlamentar fluminense argumenta que não pode ocupar o cargo uma defensora de temas que afrontam diretamente o estado democrático de direito, o pluralismo político, os direitos e liberdades fundamentais, e que já defendeu em plenário pautas como a intervenção militar no país.

Segundo Fernanda, “Bia Kicis é um perigo para o país”,  inclusive por prejudicar o combate à pandemia, ao divulgar notícias falsas e “ensinar como burlar orientações de autoridades sanitárias, como o uso de máscaras”.