Forças Armadas

Para deputados, renúncia de comandantes foi recusa a ‘projeto miliciano’ de Bolsonaro

Embora presidente aposte no caos, na avaliação de parlamentares, renúncia coletiva mostra tendência de respeito às instituições por militares

Antonio Cruz/Agência Brasil/2019
Antonio Cruz/Agência Brasil/2019
Pelo menos segundo o vice-presidente, general Hamilton Mourão (em segundo plano), militares "vão se pautar pela legalidade"

São Paulo – A repercussão da renúncia coletiva ao governo de Jair Bolsonaro pelos comandantes das Forças Armadas entre deputados e senadores, nesta terça-feira (30), é positiva. Apesar disso, alguns deles demonstram cautela e alguma preocupação. Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) deixaram o governo como reação à demissão, ontem, do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, pelo presidente Jair Bolsonaro.

Os militares mostraram duas coisas, na opinião do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Primeiro, a obediência à Constituição que juraram cumprir, e, depois, que conduzem as Forças Armadas dentro dos parâmetros técnico-científicos em relação à Covid. “Foi uma reação importante contra a tentativa de ‘milicianizar’ as Forças Armadas”, avalia o petista. “Bolsonaro quer aparelhar as Forças Armadas para seu projeto miliciano.”

Aposta no caos

Na opinião de Teixeira e outros parlamentares, como a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Bolsonaro estaria tentando instaurar o caos e o “quanto pior melhor” como preparação de um golpe. Nesse sentido, a senadora Katia Abreu (PP-TO) postou uma sugestão no Twitter. “Seria prudente que o (agora) ministro da defesa Gen.Braga Neto se pronunciasse p/tranquilizar a nação qdo a impossibilidade de intervenção militar”, escreveu (mantida grafia da postagem). “As Forças Armadas fazem parte do Estado brasileiro e tem a confiança de todos nós”, acrescentou a senadora, da bancada ruralista, mas fiel à ex-presidenta Dilma Rousseff durante o processo de impeachment. Já Teixeira afirma preferir ouvir os ex-comandantes das Forças Armadas, “para que dissessem qual a razão da saída deles”.

Para Jandira, Bolsonaro quer que as Forças Armadas sejam instituições de governo, “à imagem e semelhança das aventuras ilegais dele”. “Mas, se a aposta do presidente é no caos, a atitude dos comandantes foi o recado de que não entrarão no caos, numa aventura milicianizada, de quebra de hierarquia, e vão manter as três Forças como instituições de Estado”, avalia a deputada. E Bolsonaro poderia colocar nos comandos homens de sua confiança para rumar contra a democracia? “Acho que essa não é a cabeça de quem está no comando das forças militares. Tendo a achar que o desgaste de Bolsonaro com eles foi grande”, diz a parlamentar.

Golpe não

Para o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), o sinal emitido pelos militares com a debandada do governo é o de que não se prestariam a uma eventual tentativa de golpe e respeitarão as instituições. “É um recado de que as Forças Armadas não estão a serviço de uma tentativa golpista. Isso o deixa mais enfraquecido e mostra que não há uma atitude homogênea de concordância com as atitudes do presidente”, diz.

Pelo menos segundo o vice-presidente, Hamilton Mourão, os militares vão cumprir a Constituição. “Pode botar quem quiser, não tem ruptura institucional; Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”, afirmou, à jornalista Andréia Sadi, do G1

Segundo a avaliação do novo líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), postada nas redes sociais, ao renunciar coletivamente, os comandantes reafirmaram o compromisso com a democracia contra “a gravíssima tentativa do presidente em usar as Forças Armadas como se fossem suas”.

Não está fácil para Bolsonaro

Circula entre deputados de oposição uma análise, enviada à reportagem por um parlamentar, que “não é fácil para Bolsonaro” a substituição do ex-comandante do Exército, Edson Leal Pujol. Isso porque, para escolher o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Nordeste, que seria seu preferido, o presidente teria de ignorar a hierarquia militar, podendo aí provocar ainda mais descontentamentos. Gomes é o quinto no critério de antiguidade. O general José Luiz Freitas, comandante de Operações Terrestres, seria o indicado por esse critério. Mas não é o nome dos sonhos de Bolsonaro e entra para a reserva em agosto.

O segundo seria Marco Antônio Amaro dos Santos, que trabalhou na segurança de Dilma Rousseff. O terceiro, o general Paulo Sergio, deu uma entrevista ao Correio Brasiliense na qual defendeu o uso no Exército de “todas as medidas sanitárias, diretrizes emanadas pela Organização Mundial da Saúde”, em relação à covid-19, contrariando a postura anti-ciência do presidente.

Em seguida vem o general Laerte Souza Santos. Mas um subordinado seu, o general de brigada Eugênio Pacelli, então diretor de Fiscalização de Produtos Controlados, foi demitido por Bolsonaro no ano passado após implementar regras para facilitar o rastreamento de armas e munições. O presidente revogou a norma.

“Os militares não gostam quando os mais jovens ultrapassam no comando os mais velhos. Não está fácil para Bolsonaro”, diz a mensagem trocada entre os parlamentares. Mas a nomeação de um comandante nessas condições não seria um fato inédito: a ex-presidenta Dilma Rousseff escolheu o general Eduardo Villas Bôas, que na época era o terceiro da “fila”.


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