Futuro

Especialista sugere ‘Plano de reconstrução do Brasil’ do PT como base para frente ampla

Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil tem propostas concretas para o presente e para o futuro do país, afirma o cientista político William Nozaki

Reprodução/AEN-PR
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Para William Nokaki, país passa por processo acelerado de desindustrialização. A participação da indústria regrediu ao menor patamar histórico

São Paulo – O Brasil se encontra hoje num dos mais terríveis períodos de sua história. Seja do ponto de vista político, econômico, social, o país que chegou a figurar entre as principais economias do mundo, retrocede a passos largos. A crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, é agravada pelo negacionismo, pela incompetência e pela péssima administração do governo federal. Assim o cientista político William Nozaki descreve o que classifica como a pior crise que o Brasil já viveu. Professor de ciência política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), Nozaki é um dos responsáveis pela criação do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil.

Colaborador da Fundação Perseu Abramo, do PT, realizadora do projeto, o professor integrou a comissão do texto-base do plano que pode ser uma contribuição do partido para o programa de uma frente ampla de esquerda do país. “Esse plano tem como compromisso fundamental a defesa da vida, por isso apresenta medidas emergenciais de enfrentamento à crise sanitária, econômica e social que poderiam ser implementadas imediatamente. Mas, como sabemos, o compromisso do atual governo é com a destruição e a morte.”

Diante disso, explica Nozaki, o plano é um “convite do PT ao diálogo” entre todos que “se opõe e se incomodam com o autoritarismo, o conservadorismo e o negacionismo que estão desgovernando o país hoje”. Em entrevista à RBA, o cientista político comparou, ainda, a trágica situação do Brasil de hoje com aquele país que começou a ser governado pelo partido em 2003. “O cenário é ainda mais grave em função também das mudanças estruturais no mercado de trabalho. O desafio é imenso, mas há saídas.”

Convite ao diálogo

Muito se fala em frente ampla de esquerda e alguns falam que um projeto deve vir antes de um nome para liderar essa frente. O Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil seria esse projeto, um ponto de partida, ou existem outros projetos sendo gestados?

Este plano é um convite ao diálogo que o PT faz para todos aqueles que queiram um Brasil com soberania nacional, desenvolvimento econômico, democracia plena e igualdade para todos e todas. Esse plano é um convite do PT ao diálogo para todos aqueles que se opõe e se incomodam com o autoritarismo, o conservadorismo e o negacionismo que estão desgovernando o país hoje. Estamos passando por uma das piores crises da história do país, muitas forças políticas e sociais têm debatido e formulado projetos para o Brasil. O Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil é o começo da contribuição petista para esse processo, talvez uma das mais abrangentes, com propostas concretas para o presente e para o futuro.   

E como foi gestado esse plano, quem são os responsáveis pela sua produção?

O Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil é resultado de um processo de elaboração coletiva que envolveu centenas de lideranças políticas e sociais, dirigentes partidários e sindicais, ex-ministros e gestores, intelectuais, professores e pesquisadores. É um concentrado do que há de melhor na inteligência petista e no que orbita ao seu redor, organizado por iniciativa do Diretório Nacional do PT e realizado com a vivacidade da Fundação Perseu Abramo. 

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Defesa da vida

Como colocar esse plano em prática? Só num novo governo?

O plano tem como compromisso fundamental a defesa da vida, por isso ele apresenta medidas emergenciais de enfrentamento à crise sanitária, econômica e social que poderiam ser implementadas imediatamente. Mas, como sabemos, o compromisso do atual governo é com a destruição e a morte.

De toda forma, o plano já tem servido de instrumento e inspiração para a elaboração de projetos de lei de parlamentares de oposição, para a construção de políticas públicas de governos e prefeituras petistas, além de abrir um diálogo propositivo com a opinião pública. A Fundação Perseu Abramo constituiu um Centro de Altos Estudos (CAE) e consolidou os Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPPs). São 23 grupos temáticos e setoriais da mais alta qualidade monitorando as principais áreas de atuação do Estado e das políticas públicas. E engajados em propor respostas para os desafios do Brasil dando vida ao plano. O PT não está no governo, e mesmo assim mantém a sua responsabilidade de apresentar propostas e caminhos para o Brasil.

Crise em precedentes   

O Brasil criou 20 milhões de empregos com carteira assinada nos governos do PT. O desemprego caiu a 4% no final de 2014. De lá para cá, chegou a mais de 14%. A situação hoje está pior ou melhor do que a encontrada em 2003?

Atualmente o Brasil vive uma crise sem precedentes, se somarmos desempregados, não ocupados e desalentados a taxa de desocupação pode chegar a 30%. As pequenas e médias empresas estão fechando as portas. Os postos de trabalho estão cada vez mais precarizados. O salário sem reajuste real, as famílias estão endividadas. Os alimentos, o gás e os combustíveis com o preço inflacionado. O número de pobres, miseráveis e famélicos só aumenta. O golpe de 2016 diminuiu o arcabouço de proteção social com as reformas trabalhista, previdenciária e o teto dos gastos.

O cenário é ainda mais grave que em 2003 em função também das mudanças estruturais no mercado de trabalho. O desafio é imenso, mas há saídas: a retomada do auxílio emergencial até o fim da pandemia, um “Mais Bolsa-Família” (uma das propostas apresentadas no Plano) com faixas de atendimento novas e ampliadas são fundamentais para que os mais vulneráveis possam respirar. Além disso, com a reativação de investimentos públicos, com a potencialização de serviços públicos, com a retomada de obras paradas, se pode estimular a criação de empregos e o investimento.    

Nova política industrial

Qual o impacto do desmonte dos setores de petróleo, gás, construção civil nesse processo? E do parque industrial brasileiro?

O desmonte de empresas estatais como a Petrobras veio acompanhado da desestruturação dos investimentos públicos, assim como de políticas de conteúdo local, de compras governamentais, de apoio à ciência e tecnologia. E isso tudo impactou negativamente a engenharia pesada, a indústria naval e a construção civil. Para se ter uma ideia, cada vez que a Petrobras deixa de investir R$ 1 bilhão o PIB brasileiro deixa de ganhar cerca de R$ 1,28 bilhão e o país deixa de criar cerca de 27 mil ocupações diretas e indiretas. Com o pré-sal o Brasil se tornou um dos maiores produtores mundiais de petróleo. Mas a atual política de privatização do refino e de paridade com os preços de importação tornam o país um vendedor de óleo cru e um comprador de derivados, cujos preços cada vez mais altos são repassados ao consumidor final.

Esse é o quadro de um país que passa por um processo precoce e acelerado de desindustrialização. A participação da indústria regrediu ao seu menor patamar histórico e em 2020 a única variável positiva do PIB foi o agronegócio. Contra esse estado de coisas o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil propõe uma nova política industrial que articula mudanças na estrutura produtiva às demandas da sociedade.    

Mais ricos pagam a conta

De onde viriam os recursos para propostas como o Mais Bolsa Família?

O Mais Bolsa Família, do plano para o Brasil, pretende atender todas as famílias brasileiras com renda de até R$ 600 por pessoa. Os recursos seriam pagos fundamentalmente pelos mais ricos, por meio de uma reforma tributária progressiva, com a criação de alíquotas mais altas ao imposto de renda, taxação de grandes fortunas e aumento do imposto sobre heranças, além da oneração dos ganhos de capital no imposto de renda das pessoas físicas. Esse modelo de financiamento pressupõe a extinção ou a profunda remodelação do teto de gastos, impedindo mais desmontes nos programas da seguridade social e garantindo o fortalecimento do Estado em um momento de incertezas e recessão econômica.

É possível governar no Brasil (ou em qualquer lugar do mundo) contrariando interesses do sistema financeiro?

No capitalismo, não há desenvolvimento possível sem um sistema de crédito sólido e funcional que financie os investimentos produtivos. O problema do Brasil é que nosso sistema bancário e financeiro é pouco funcional ao desenvolvimento, acumulando ganhos extraordinários nas mãos de rentistas e financistas, mas sem se mostrar capaz de financiar adequadamente o investimento e o consumo. Por isso é necessária uma profunda reforma bancária que aumente a concorrência entre os bancos privados e valorize o papel dos bancos públicos. Essa é uma luta política e econômica incontornável. O avanço da pandemia e o aprofundamento da crise econômica estão colocando em xeque o neoliberalismo financeirizado em todo o mundo.  

O que faltou

Disso tudo que se propõe nesse novo plano, o que faltou o PT fazer quando foi governo, e que considera crucial hoje?

Particularmente penso que o país precisa encarar o desafio de uma reforma tributária que enfrente o problema das desigualdades tirando dos mais ricos e distribuindo para os mais pobres. Esse é um desafio histórico não só do PT, mas de todas as esquerdas brasileiras. A progressividade do imposto de renda, a tributação de lucros e dividendos, a tributação de juros sob capital próprio, sobre heranças e grandes fortunas são medidas fundamentais para uma sociedade mais justa e igualitária. Enquanto lutamos para ter uma correlação de forças favorável a essas mudanças desejadas para o amanhã, seguimos também diuturnamente lutando para a população possa ter saúde, com vacina já, e renda, com o retorno do auxílio emergencial até o fim da pandemia. Propor, simultaneamente, a reconstrução do presente e a transformação do futuro é um gesto de ousadia e coragem em meio a um momento marcado por tanta incerteza e medo.

Algumas das principais propostas do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil

  • Revisão do Teto dos Gastos
  • Manutenção do auxílio emergencial para todos que precisam
  • Mais Bolsa Família
  • Empréstimo sem juros para famílias limparem nomes
  • Crédito para empreendedores
  • Suspensão da cobrança das contas atrasadas de água e energia para famílias mais pobres
  • Criação de empregos com a retomada do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa Minha Casa Minha Vida
  • Salvar a Petrobras
  • Paralisar as privatizações e defender a soberania nacional
  • Reforma bancária
  • Revogar leis que tiraram diretos dos trabalhadores e aposentados
  • Banda larga livre para todos
  • Fortalecimento do SUS
  • Testagem contra o novo coronavírus
  • Vacina contra covid-19 para todos
  • Retomada do programa Mais Médicos

Confira o “tabloide” com o resumo do plano