Pá de cal

Gilmar Mendes sobre os diálogos de Moro na Lava Jato: ‘Obra ficcional ou o maior escândalo judicial da humanidade’

Em seu voto no julgamento que manteve acesso da defesa de Lula às conversas entre procuradores e Sergio Moro, ministro afirmou ainda que estado totalitário que se desenhou com a Lava Jato teve a complacência da mídia

Nelson Jr./STF – José Cruz/ABr
Nelson Jr./STF – José Cruz/ABr
“Legado jurídico da República de Curitiba envergonha os sistemas totalitários”, disse Gilmar Mendes, ao criticar duramente a conduta revelada pelos diálogos da força-tarefa da Lava Jato entre procuradores e com Sergio Moro

São Paulo – Em seu voto no julgamento do acesso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva às mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato de Curitiba, o ministro Gilmar Mendes fez as mais pesadas críticas à força tarefa já ouvidas no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o ministro, o material tem potencial de comprometer até a integridade da Procuradoria-Geral da República. “Se esses diálogos não existiram, os hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas”, ironizou. “Ou nós estamos diante de uma obra ficcional fantástica que merece o Prêmio Nobel de literatura, ou estamos diante do maior escândalo judicial da história da humanidade.”

Por maioria de 4 a 1 (leia aqui), a Segunda Turma do STF manteve a liminar que permite à defesa de Lula o acesso irrestrito aos diálogos. A Receita Federal (RF), usada pela “República de Curitiba” para perseguir alvos, se tornou “um braço da Stasi brasileira”, disse Gilmar, em referência à polícia secreta da República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha Oriental, no período da Cortina de Ferro.

“Este modelo de estado totalitário que se desenhou teve a complacência da mídia”, disse Gilmar. Também foi mencionado pelo ministro a questão das prisões preventivas, não só usadas abusivamente pela Lava Jato como também utilizadas como chantagem contra os réus. “Quero que fique muito claro o que estamos discutindo e o que ocorreu no Brasil. Porque agora já não é mais apenas o julgamento de um caso (o de Lula). Vamos ser julgados nisso aqui é pela História. Se formos cúmplices deste tipo de situação, nós montamos um modelo totalitário”, disse.

“Obra de ficção?”

O ministro afirmou que o “legado jurídico da República de Curitiba envergonha os sistemas totalitários”, os quais, de acordo com ele, “não tiveram tanta criatividade”. Para Gilmar, presidente da Segunda Turma do STF, o conteúdo até agora revelado entre procuradores, como Deltan Dallagnol, e Moro, constituem algo “chocante, constrangedor”. “A não ser que se prove que isso não existiu, que é obra de um ficcionista. Estamos diante de uma obra de ficção? Então que se prove”, aconselhou.

Gilmar Mendes citou o uso da Receita Federal no aparato da Lava Jato, mencionando acordos ilegais feitos com Roberto Leonel de Oliveira Lima, chefe do Escritório de Pesquisa e Investigação na 9ª Região Fiscal. Leonel teria sido posteriormente “premiado” por Moro, quando o ex-juiz se tornou ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, ao ser designado para chefiar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).  

“Verdadeiro homem da Stasi”

Os procuradores da Lava Jato faziam uso de um esquema clandestino com a Receita pelo qual quebravam o sigilo de pessoas que perseguiam. Até mesmo ministros do Superior Tribunal de Justiça foram seus alvos. Segundo Gilmar, Leonel se tornou “um verdadeiro homem da Stasi na Receita Federal”. “A Receita Federal é outro capítulo que está sendo revelado. Usada para o fim de fazer investigação à sorrelfa.” O jornalista Glenn Greeenwald, do The Intercept Brasil, foi um dos alvos do esquema de investigação da Receita.

Assim como a ministra Cármen Lúcia (leia aqui), Gilmar Mendes dirigiu palavras duras à subprocuradora Claudia Lima Marques, que defendeu os procuradores da Lava Jato. “É o futuro da procuradoria que está em jogo, a serem verdade essas mensagens”, disse o ministro, que acusou os métodos da força tarefa de se assemelharem à tortura.


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